Só duas coisas *
O tema para esta semana é incontornável: o desaparecimento de Mário Soares. Incontornável e inesgotável: nunca tudo terá sido dito sobre uma personalidade que tanto marcou a História contemporânea de Portugal.
Mesmo que nem tudo esteja, nem pudesse estar dito, até porque nunca se pode olhar para a História de perto – a distância é um instrumento indispensável para a análise histórica – não vou dizer nada de novo sobre Mário Soares, sobre a sua importância para aquilo que é hoje Portugal, sobre o seu legado. Porque não seria provavelmente capaz de dizer nada de novo, nada que não tivesse sido dito e redito, mas porque também não é nada disso que quero dizer.
O que quero dizer, a propósito não de Mário Soares, mas da sua morte, são apenas duas coisas: uma de congratulação, a outra, nas antípodas, de repúdio.
Na primeira para me congratular pela dignidade das cerimónias fúnebres, como foi honrada a sua memória, e como o povo saiu à rua para lhe prestar a sua última homenagem, que nem os habituais excessos televisivos ensombraram.
Na segunda para repudiar o ódio destilado pelas redes sociais por gente escondida atrás do anonimato, a que dificilmente poderemos deixar de chamar energúmenos. Não são apenas ignorantes. São intolerantes, que não odeiam apenas Mário Soares, odeiam a liberdade e a democracia. Não sabem nada de História, nem querem saber. Não distinguem a verdade da mentira, apenas lhes interessa o que lhes convém. Não sabem olhar para a frente, só para trás.
Lembro-me de um programa televisivo, em que a Clara Ferreira Alves ia falando com Mário Soares: “o caminho faz-se caminhando”, assim se chamava. É verdade: o caminho faz-se caminhando. Mas só caminha quem quer. E esses não querem. Nunca caminham. Não saem do mesmo sítio e nunca chegarão a lado nenhum!
* Da minha crónica de hoje na Rádio Cister