Um retrato a cores*
Parece uma história de crianças, mas é simplesmente a história de dois cadernos para crianças, entre os 4 e os 6 anos, publicados pela Porto Editora: um para meninos, azul, e outro para meninas, cor-de-rosa. Os cadernos de exercícios, ou blocos de actividades como gostam mais de lhes chamar, não têm nada a ver com livros escolares e estavam no mercado já há um ano, coisa que na história é omissa.
Começou a ser mal contada pelo Público, passou para as chamadas redes sociais, e pronto… A onda estava lançada e ninguém mais a parava. Como é costume, ninguém olhou para os ditos blocos, nem ninguém parou para pensar. Houve até uma senhora, investigadora e especialista na matéria, que, embora não poupando no choque nem na estupefacção, referiu que só tinha visto duas páginas. Que lhe bastaram para formular a grande preocupação sobre a representação social trazida para aqueles blocos.
E, claro, a coisa teria de ir para à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Que foi lesta a, evocando a recomendação do ministro, solicitar à Editora que retirasse os blocos do mercado. Que foi ainda mais lesta a cumprir a ordem. Ou o pedido.
Tudo sem que ninguém parasse um minuto à procura do bom senso, e para reparar que o preconceito não morava nos ditos blocos de actividades, mas apenas num certo jornalismo militante de uma imprensa especializada em manipular a realidade, e em instituições acéfalas e sem qualquer espécie de pudor em seguir a manada nas redes sociais.
Esta história é um retrato a cores do Portugal de hoje. Mesmo que a azul e rosa. É uma pena, mas é assim: um país com a agenda nas redes sociais, uma imprensa igualmente inorgânica, e empresas sempre a abanar o rabo ao Estado.
* Da minha crónica de hoje na Cister FM