UMA HISTÓRIA MAL CONTADA
Por Eduardo Louro
Não tem sido a melhor a gestão que os Estados Unidos têm feito do affaire Bin Laden. Começou pela histeria nacional que mostrou ao mundo e acentuou-se no discurso de Obama : um discurso de Bush onde ninguém revê Obama, apenas comparável ao de uma figurinha que por aí apareceu, apresentando-se como presidente do Peru, e que viu ali o primeiro milagre do novo beato João Paulo II.
Comunicar a conquista – à falta de palavra mais adequada ao actual momento, chamo-lhe assim - de Bin Laden com um discurso que não se cansa de evocar Deus traz-nos à consciência aquilo que tendemos a esquecer e que é, se não um profundo choque de civilizações, pelo menos a distância cultural, mental e mesmo de valores que nos separa da chamada América profunda. Ao contrário do americano comum temos dificuldade em entender a festa a partir da morte, sentimos um imperativo de consciência que nos obriga a curvar perante a morte, mesmo que seja a do mais odiado dos terroristas, e estamos felizmente convencidos que a justiça não se faz sumariamente e a sangue frio.
Sabíamos que Bush corporizava aquela mentalidade e aqueles valores do americano fechado sobre si mesmo. Mas vibráramos com a eleição de Obama porque se lhe opunha nessa dimensão reaccionária e obscurantista. E agora surge-nos um Obama igual a Bush, retrógrado e insensato: levar esta acção para a dimensão religiosa é transportá-la para o terreno do inimigo e praticamente legitimar o fundamentalismo religioso, que precisamente alimenta o terrorismo.
Poderá perdoar-se ao presidente do Peru, mas nunca se poderá perdoar ao presidente dos Estados Unidos. Sem se perdoar, condescendeu-se com Bush: Mas a Obama não se pode perdoar, condescender ou sequer compreender que tenha pretendido assegurar a reeleição a partir desta oportunidade!
Mas depois vem ainda a estória: uma estória começa a não ter pés nem cabeça. A que sucessivamente se vão acrescentando capítulos ora inacreditáveis ora delirantes: testes ADN, uma irmã que morreu em Boston há não sei quantos anos, fotografias que são e deixam de ser para mostrar, ora fotografias eventualmente chocantes de alguém com um tiro na cabeça, ora fotografias das exéquias fúnebres. Exéquias fúnebres: lançado ao mar - como consta do guião - com honras militares e reportagem fotográfica… O próprio Bin Laden, quando foi abatido, ora estava de arma em punho ora desarmado!
Quando, à boa maneira americana, a presa é, invariavelmente e sem grandes preocupações, apresentada como troféu - como ainda há bem pouco tempo se viu com Sadam Hussein - não se percebe toda esta descrição quando se trata do declarado inimigo número um da América, do patrão da maior multinacional de terrorismo e pai do franchising do terrorismo.