Umas centenas, que tranquilamente apreciavam a candura de um mar tão tranquilo que nem parece gémeo do outro, que do outro lado do promontório faz as delícias de não sei quantos Mcnamaras, e aproveitavam os últimos raios de sol deste cinzento e nada solarengo 2014, e outras centenas, de miúdos, e miúdas que se limitavam a aquecer as gargantas de cerveja para que mais logo estivessem no ponto, para a passagem de ano, enchiam a marginal. Linda, como sempre.
De repente um Ford Fiesta branco, a cair de podre, atravessa-se na rua com pouco trânsito, já condicionado para as festividades de logo á noite. Do vidro sai um pirilampo azul, que é colocado sobre a capota e, do carro, sai de imediato um tipo corpulento que, depois de meter a chave à porta do carro, segue com ar duro em direcção ao carro que fizera parar com aquela atravessadela brusca e desajeitada. Do curtíssimo diálogo que se segue nada se percebe. O tipo corpulento regressa ao interior do seu Fiesta, a cair de podre, que mantém atravessado, mas agora com uma nesga por onde acaba por passar o veículo interceptado, que encosta mais à frente. Logo depois o velho Fiesta regressa à sua posição inicial de completo bloqueamento do trânsito, e dele volta a sair o tipo corpulento, que volta a fechar o carro com a chave e passa a dar indicações à fila de carros entretanto criada para desviarem para a rua á direita para, acto contínuo, regressar ao velho Fiesta branco a cair de podre e desaparecer engolido pelo ex-libris que é a Praça Souza Oliveira. Encostado à direita continuava o carro tido por interceptado, e lá dentro o homem que poderia – sabe-se lá – explicar alguma coisa desta história esquizofrénica que por momentos, poucos é certo, trouxe um cheirinho recambolesco de Hill Street Blues ao fim de ano da Nazaré!
O futebol tem um calendário diferente. O ano chama-se época e o calendário não tem dias, semanas e meses: tem a sequência ordenada dos jogos, distribuída por duas voltas que quase dividem o ano ao meio. Quase, porque a primeira volta, por cá, acaba já por Janeiro dentro. Vai de Agosto a Janeiro. Não tem grande importância mas sempre atribui um título: o de campeão de Inverno!
A segunda volta prolonga-se até Maio, fechando-se a época com a final da Taça. É assim em praticamente toda a Europa: a excepção é a Rússia, pouco dada aos usos e costumes ocidentais.
Depois vêm as férias. E a agitação do defeso – um paradoxo, o defeso que supõe acalmia, interregno e pausa para limpar armas, é afinal um tempo de grande intensidade – das contratações que irão alimentar todas as aspirações da nova época. Das falhadas e das concretizadas!
De dois em dois anos Junho é mês de selecções, em campeonatos ora da Europa ora do Mundo. Julho é mês da preparação e de afinação física, técnica e táctica da equipa. E em Agosto há o reveillon: o início do novo ano, a nova época que arranca com a Supertaça, a tal que este ano tramou o Benfica.
É assim há muito tempo! Dá a ideia que o calendário civil terá sentido alguma inveja disto e, por isso, arranjou forma de encontrar alguma da graça da passagem do ano do futebol. Da passagem da época!
Arranjaram-se umas férias para o Natal, coisa a que apenas os ingleses, que nisto do futebol são os alemães da economia, souberam resistir. E introduziu-se-lhe o melhor da festa. Que não é o fogo de artifício, são mesmo as contratações. A abertura do mercado de Inverno reproduzia nesta altura do ano o maior factor de agitação do defeso de Junho e Julho.
É evidentemente um segundo mercado: uma réplica do original mas nem por isso coisa despicienda. Os jornais que o digam: chamam-lhe um figo!
E como o que vende é o Benfica … está tudo dito. Se em Junho e Julho todos os dias entram e saem dezenas de jogadores, em Dezembro e Janeiro a coisa não lhe fica muito atrás. Já perdi a conta aos jogadores que estão a caminho do Benfica, aos que estão mesmo prontos a assinar, vindos de todos os cantos do mundo. Uns mais cantos que outros: a Argentina é que é agora o canto – o canto dos cantos!
A maior estrela desta telenovela - vem não vem, por 10, por 11 ou por 12 milhões -, é um tal de Funes Mori. Argentino e craque, como não podia deixar de ser! Pela minha parte já nem aguento tanto suspense…
No sentido inverso há o David Luiz. Dantes era o Luisão, mas esse já passou de moda. In mesmo é o rapaz dos caracóis: ora sai por 20 milhões ora não sai e fica à espera do Verão e de um mercado mais aquecido. E o Fábio Coentrão: é o Real Madrid, é o Manchester United, é o Barcelona…
Mas há ainda a outra parte da festa. É como que a outra face da moeda das férias de Natal: o regresso dos jogadores. Compreende-se: por lá é tempo de Verão, sol, praia, bikinis …e regressar a este frio e a esta chuva não é a melhor coisa do mundo. Daí que haja sempre uma outra telenovela. Brasileira, claro! Bom este ano até é mais paraguaia: o actor principal foi o Cardoso. Do Benfica, pois então!
Já regressou mas é como se lá estivesse. Por culpa da gripe A, que afinal anda por aí…
E agora deixem-me confessar-vos um feito: neste último Futebolês do ano consegui a proeza de não utilizar uma única palavra em futebolês. Mas, como isso vai contra os Estatutos, a época faz esse papel. De acordo?
E pronto. Apresso-me a desejar a todos um Bom Ano. Bem sei que é um desejo muito difícil de concretizar, mas se o fizer já – e daí me ter apressado – antes que passe a meia-noite, sei que pelo menos ainda não paga imposto!
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