A comunicação é provavelmente o maior instrumento de relação ao serviço das sociedades. Sempre foi assim, mesmo quando, por dificuldades de circulação, por falta de acessos e de veículos, e até por excessos de policiamento do tráfego, disso se não dava conta.
Hoje a comunicação circula a uma velocidade estonteante, em auto-estradas de quarta geração, sem limites de faixas nem de velocidade. Sem constrangimentos de qualquer espécie - nem polícias, nem semáforos, nem rotundas, nem filas - em veículos de alta cilindrada. Toda a gente dá por ela, toda a gente percebe a sua importância.
Paradoxalmente, quando tem condições como nunca teve para se exponenciar como instrumento de relação, e mecanismo de aprofundamento da vida em sociedade, revela-se, como nunca, uma arma estratégica de destruição massiva. Literalmente. Uma poderosa arma de guerra de que ninguém abdica, em nome de coisa nenhuma.
As estratégias de comunicação sobrepõem-se a tudo e a todas as outras. Tanto mais quanto mais insondáveis forem os objetivos que se destinem a servir. Tanto mais quanto maior for a ambição de manipular, condicionar e enganar…
É assim, em especial, na política e no futebol, mas também em muitas outas áreas da sociedade. Não importa o que se faz, importa o que se diz. Os factos já não contam, contam – e cantam-se – os factos alternativos. O virtual toma conta e sobrepõe-se ao real. A substância é oca e a verdade esvazia-se na opulência da pós-verdade. Mais que reescrever a História, reescreve-se o próprio conhecimento.
É o tempo das fake news, dos Abrantes e dos Sebastiões. Dos directores de comunicação como peças centrais nas estruturas organizacionais. O tempo de cavar trincheiras à volta de dogmas, de levantar muros à volta de crenças. De semear ódios, de acentuar clivagens e de explorar o que mais primário há em cada ser humano.
Não era isto que seria suposto a comunicação servir. Não deveria ser para isto que deveriam ser utilizadas as auto-estradas que temos à mão, cheias de gente vazia de ética e auto-desobrigada dos mínimos deontológicos. Mas os dias de hoje também não são muito mais do que isso: uma sucessão de paradoxos.
Há pouco mais de uma semana os gregos disseram "não" a mais austeridade. Ontem, uma sondagem inidicava que os gregos diziam "sim" a mais um programa de austeridade, aprovado pelo Parlamento já madrugada dentro, bem para além do limite da meia-noite imposto pelos credores (sim, não há outra designação).
Tsipras não acredita no programa, e disse-o com todas as letras. Que assinou, que teve de assinar e defender no Parlamento grego. Que o aprovou com votos de oposição, com a maioria dos votos contra a partir do partido de Tsipras.
É destes paradoxos que se faz hoje a história da Europa. Foi até aqui que o directório alemão que manda na Europa nos trouxe. Todos querem expulsar a Grécia, mas ninguém quer ficar com esse ónus. Queriam que fosse o Syriza a fazer-lhe o favor, mas Tsipras percebeu isso. E percebeu que nesta altura está tudo virado ao contrário. E que é justamente o seu eleitorado, os mais desfavorecidos dos gregos, os que mais sofrem, que mais ainda teria a perder. Ganhar, ganhavam os outros, os que tinham dinheiro e o tiraram todo do país... para depois, incólume e reforçado, se servir à vontade do espólio que sempre fica entre os destroços.
E para que a história dos pardoxos não acabe aqui, os mercados acordaram esta manhã em euforia com o "sim" grego. Como se só eles não percebessem nada do que se está a passar... Como se só eles estivessem convencidos que aquilo que o Parlamento grego votou tem algum tipo de aplicabilidade, quanto mais alguma probabilidade de sucesso.
Acabei de concluir, no post anterior, que o dia de ontem não existiu: ontem foi um jogo de futebol! E, pelo vou vendo, hoje pouco mais é que o dia seguinte ao do jogo de futebol!
Procura-se justificar este absurdo com uma realidade tida como incontornável: a primeira final de uma competição europeia totalmente portuguesa!
O sucesso do futebol português – enquanto actividade de excelência, das poucas que somos capazes de apresentar à Europa e ao Mundo – materializado numa final portuguesa, funcionaria, neste momento de humilhação e de descrença colectiva, como motivo de orgulho nacional e de reforço de uma auto-estima que se encontra pelas ruas da amargura. E isto justificaria a onda de excitação do país que os media procuraram provocar, deitando mãos a todos os recursos, mesmo que desproporcionados e despropositados!
Não me parece que, apesar de não terem olhado a meios nem a custos, o tenham conseguido. Não me parece que, apesar dos esforços, tenham sido bem sucedidos nessa tarefa de pôr o país em festa.
Porque a crise e o desespero tomaram mesmo conta dos portugueses. Mas também porque o cariz regionalista a que entregaram a tarefa (como referi abaixo o lema da Antena 1 era que “a Irlanda é do Norte”, mas houve muitas mais expressões dessa arregimentada divisão regionalista) era em si mesmo paradoxal, se não mesmo inimigo desse desiderato nacionalista.
E na realidade esta final portuguesa teve muito pouco de portuguesa e muito menos ainda de portugalidade. Não tanto pela constituição das duas equipas portuguesas (e do Norte!), com apenas três portugueses cada à entrada (à saída eram ainda menos), que isso não acontece apenas em Portugal, mas pela falta de expressão portuguesa! Na festa, claro! E, essa, fizeram-na os jogadores do Porto, naturalmente… Com os estrangeiros – a enorme maioria, como vimos – embrulhados nas suas bandeiras nacionais. E até, pasme-se, com um dos seus únicos três portugueses em campo, e jogador da selecção nacional, embrulhado na bandeira de Cabo Verde. Bandeira nacional foi coisa que se não viu ontem naquela final portuguesa, de repetição absolutamente improvável. O próprio Falcao, melhor marcador da prova, marcador do único golo da partida e, talvez por isso, na linha habitual da UEFA, distinguido como o melhor jogador da final, que temos visto fazer um notável esforço em Portugal para se expressar em português, respondeu a todas as solicitações em castelhano, sem se lembrar que estava a falar para Portugal e para portugueses.
O cabo-verdiano Rolando falou em português: mas para dizer que se queria ir embora, que tinha aspirações a jogar num clube de maior dimensão! Paradoxos: somos um país de paradoxos!
Há dois sectores da actividade económica que se não podem queixar de 2010, esse ano maravilha que todos temos fresquinho: o exportador, com um crescimento a dois dígitos, e a venda de automóveis. Vá lá, nem tudo foi mau nem foi mau para todos!
O crescimento das exportações não só empurrou com a barriga a recessão económica como ainda permitiu ao governo dizer sem se rir que a economia cresceria neste ano em que, quando levarmos a mão ao bolso para comprar o que quer que seja, percebemos invariavelmente que o governo foi lá antes.
As vendas de automóveis cresceram, no ano de todos os PEC`s, hora H da crise e da depressão social, perto de 40% – 38,8% segundo o JN.
Paradoxal?
Não, apenas uma particularidade bem portuguesa: uma maneira bem portuguesa de enfrentar as dificuldades. Os gurus dos novos tempos não se cansam de apregoar as oportunidades que a crise apenas esconde e de, na pele de vendedores da banha da cobra armados em especialistas de auto-ajuda, mobilizar o pessoal para dar a volta e transformar as ameaças em oportunidades.
Eis a demonstração inequívoca de que os portugueses aprendem depressa. E de que são próactivos como poucos!
A crise, no seu esplendor, aumenta o IVA, o imposto sobre veículos (ISV) e o imposto único de circulação (IUC). E extingue o programa de incentivos ao abate de veículos em fim de vida.
Pronto, aí estava a ameaça. Bora lá à oportunidade: comprar automóveis – já e como se não houvesse amanhã!
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