Na primeira privatização do resto das privatizações - ou, como diria Sérgio Godinho, neste primeiro dia do resto da sua vida - 14 aeroportos passaram do Estado grego para o capital alemão. Poderia chamar-se-lhe ironia do destino...
Em todas as últimas privatizações, todas as administrações das empresas objecto de privatização estiveram invariavelmente de acordo com o modelo de privatização escolhido pelo governo. Em todas as últimas privatizações, as administrações das empresas objecto de privatização asseguraram a sua continuidade na gestão das empresas privatizadas...
O governo confirma as suas invulgares aptidões para o negócio. Nunca será de mais relevar a invulgar mestria deste governo na arte de bem vender a coisa pública, uma mestria forjada nas artes do talhante. Desta vez são os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, onde o governo voltou a fazer tudo como bem sabe: pegou na peça, abriu-a e separou carne para um lado e ossos para o outro. Pegou na carne e entregou-a a um grupo privado; os ossos - já se sabe - ficam para nós!
O BIC adquirira o BPN por 40 milhões de euros. À nossa conta tinham já ficado muitos milhares de milhões de euros – não se sabe, nem nunca se saberá, bem quantos: cinco, seis, sete, sabe-se lá...
O que se sabe é que, depois disso, o Estado – nós – já lhes devolveu 22 milhões. E que reclamam agora mais 100 milhões. Quer dizer, a conta já vai em 122 milhões, mais do triplo do que o banco luso-angolano pagara pela compra do filet mignon do BPN!
Tenho, por dever de ofício, a obrigação de esclarecer que é normal que, neste tipo de operações, o comprador acautele os chamados riscos contingenciais. Situações que, não tendo ocorrido à data da operação, podem previsivelmente vir a emergir no futuro. Mas, também pelo mesmo dever, tenho a obrigação de garantir que há soluções técnicas para as reflectir nas contas à data de referência do negócio. Que, depois, é isso mesmo – um negócio. Com riscos, como todos!
Todos, não. Em Portugal, quem negoceia com o Estado nunca corre riscos. Os governos de Portugal tomam sempre para o Estado todos os riscos. É sempre assim. É assim nas PPP, é assim nas privatizações... Que, vejam bem, são invariavelmente justificadas pelo simples facto de o Estado ser mau gestor. Mau negociador!
Porque eles – sim, aí o Estado já não somos nós, são eles - são maus gestores, vendem aos privados, bons gestores evidentemente. Tão bons que se aproveitam, logo ali, dos maus, dos incompetentes!
No escândalo BPN, este é apenas mais um. Depois de ter permitido a mega fraude, nacionalizou-lhe o passivo (BPN), deixando de fora os activos (SLN), nas mãos dos mesmos. Um passivo que rapidamente se multiplicou porque, lá está, o Estado é mau gestor. Por isso, depois vendeu, mas só o que interessava: uma rede de distribuição, a funcionar. Não se dando por satisfeito, o Estado – eles - deixa-lhes a possibilidade de dela fazerem o que quiserem, como e quando quiserem porque o Estado – nós – paga. Por enquanto, mais do triplo do que recebeu!
Ah! E alguém por aí sabe do Oliveira Costa, do Dias Loureiro e de mais uns tantos?
Ontem, no Parlamento, Vítor Gaspar teve mais uma das suas habituais prestações. Para além de voltar a falar dos impostos como se neles não tivesse qualquer responsabilidade, e de se transformar os falhanços rotundos e grosseiros das suas previsões em acertos raramente vistos em tempo de recessão, salientou os verdadeiros mas escassos aspectos positivos: a descida dos juros da dívida pública, a redução do défice primário e … o aumento da credibilidade do país.
Se a descida das taxas de juro da dívida pública nos mercados secundários e a redução do défice primário são dados objectivos e factos provados, o aumento da credibilidade externa do país já o não é. Não há nada que a meça, apenas se poderá concluir a partir de dados e indicadores que possam apontar nesse sentido. O comportamento das taxas de juro até poderá ser um deles, mas só isso!
Mas quando um jornal como o El País diz que o governo está a vender Portugal e se refere, da forma que o faz, aos processos das privatizações recentes, como a da EDP, ou em curso, como as da TAP e da RTP, não há razão nenhuma para avaliar em alta a credibilidade do governo. Que é quem precisamente faz a do país!
As privatizações, neste último acto que rapa o que do pote sobrou para rapar, estão a revelar-se autênticos negócios da China. E não é porque as primeiras, quando o negócio foi energia, o tenham sido em sentido literal. Em sentido literal e no outro!
O modelo da negociação directa, a que o governo agora lançou mão, é também propício a isso. E a falta de transparência na negociação directa apenas faz crescer a suspeição!
Vem isto a propósito da privatização da TAP, onde, ao que parece, o Estado se apresta a entregar a transportadora aérea nacional ao milionário multinacional - tem, pelo menos, nacionalidade polaca, brasileira e colombiana - Germán Efromovich, por 20 milhões de euros. É a única proposta, mais ninguém se mostrou interessado!
A opção de abrir mão de uma companhia de bandeira como a TAP é tudo menos pacífica. Haverá certamente um milhão de argumentos para defender a privatização. Tantos quantos os que podem ser usados em sentido contrário!
Vamos por isso deixar de lado esse pormenor (ou pormaior?) do sentido - e da própria qualidade - da decisão de privatizar a nossa transportadora aérea, e foquemo-nos apenas nos dois factores mais decisivos da operação: precisamente o valor (20 milhões de euros) e a falta de propostas alternativas.
Vinte milhões de euros será sempre um valor ridículo. Mais do que ridículo: de fazer rir. Um valor que nem por símbolo pode ser tomado!
Argumenta Efromovich que a proposta é de 320 milhões de euros (argumenta até mais, que ainda assume o todo o passivo, como se não assumisse também o activo…): 300 milhões para injectar no capital da sociedade e os tais 20 milhões para os cofres do Estado. Não é verdade, tal como não é legítimo referir-se ao passivo. Propõe-se a adquirir a TAP por uns míseros 20 milhões de euros – dá vontade de dizer que até o trágico BPN, em circunstâncias não muito diferentes, foi nominalmente entregue pelo dobro – e, depois, investe 300 milhões na empresa!
O valor de uma empresa depende de uma série de variáveis. Que não só financeiras e muitas mais que as que decorrem do seu balanço. A TAP foi evidentemente avaliada. Não se poderá entender que alguém se prepare para vender um bem, seja ele qual for, sem ter uma ideia do seu valor de mercado. O governo tem evidentemente esses dados. É discutível se os deveria tornar públicos, se bem que a sua divulgação fosse um contributo decisivo para a transparência que reconhecidamente está afastada deste processo. O que já é indiscutível é que, agora, tenha que o ser!
Outros dos pecados destas privatizações é o timing. Vender, nas actuais condições de mercado, é desastroso e só o faz quem está com a corda na garganta. A opção de avançar com operações de privatização é, nesta altura, uma opção de vender em saldos. É essa a opção que o governo fez!
Mas uma coisa é saldar a TAP, outra é vendê-la por um preço meramente simbólico apenas porque é a oferta do único cliente que bateu à porta. Se apenas há um cliente, e se esse único cliente está longe de oferecer o preço justo, só resta a opção de não vender.
Se não for esta a opção, e o governo não explicar tudo muito bem explicadinho...
As rendas da EDP não podem ser mexidas, como toda a gente já sabe. Explicam-nos que é o preço a pagar pelo grande negócio da privatização: os chineses só deram tanto dinheiro porque elas lá estavam. Os tipos compraram a EDP e as rendas que os consumidores estão obrigados a pagar-lhe… Pague um e leve dois!
Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-ministro, no Prós e Contras, da RTP1 : “Privatizar não é vender. É fazer economia, é criar riqueza!”
Também é gente extraordinária, este Carlos Moedas…
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