A PRIMEIRA VEZ
Convidada: Joana Louro *
Desde que a minha filha nasceu, sentei-me hoje pela primeira vez ao computador para escrever um texto para esta minha página... E aqui sentada, sem a angústia da página em banco mas tentando organizar as ideias, apercebo-me que ainda não tinha tido tempo para pensar, reflectir e digerir tudo o que me aconteceu nestes últimos meses. Entre mudar fraldas, dar de mamar, pôr a bolçar, vestir, despir, preparar banhos, consolar, dar miminhos, em ciclos que se repetem sucessivamente ao longo do dia e dos dias, sempre cheios que nem um ovo, não sobra tempo para mais nada... Nem sequer tempo para pensar e reflectir sobre este turbilhão de sentimentos e emoções, inéditos e arrasadores, que me enchem a alma, me aquecem o espírito e me preenchem a mente.
Ou talvez me engane. Talvez não seja de tempo que esteja a falar - temos muitas vezes a tendência de confundir tempo com disponibilidade, relativizando-o, como se ter tempo deixasse de ser ter tempo para ser tão só aquilo que fazemos come ele – tempo eu até seria capaz de ter. Na realidade, acho que sobra tempo para mais, muito mais...
Só que nada mais importa, nada mais é tão importante que mereça roubar o tempo que lhe não pertence. O protagonismo é único deste pequeno Ser que, tão pequeno, ocupa todo o Espaço e todo o Tempo: nada é tão grande no mundo nem nada é tão importante na vida. Nada é mais importante que assistir a cada momento seu, a cada conquista, a cada sorriso, a cada olhar. Nada é mais importante que viver este processo de crescimento e de descoberta. Onde o tempo aparece agora no esplendor da relatividade, numa outra dimensão, que parece ter ganho uma nova velocidade, assustadoramente rápida... Onde a Natureza se impôs na magnitude da sua beleza e perfeição...
Desde que a minha filha nasceu que tenho a estranha e a permanente sensação de primeira vez... Sinto que estou a fazer pela primeira vez coisas que já fiz um milhão de vezes. Os mais banais momentos ou as mais triviais situações parecem inéditos. E que pela primeira vez encontro novas soluções para antigos problemas. Afinal tudo mudou. A minha vida mudou... O meu mundo mudou... Eu mudei! Sem qualquer processo de aprendizagem ou de estudo intensivo, a maternidade presenteou-me, natural e instintivamente, com uma nova percepção do mundo e uma nova abordagem da vida. Francamente melhor, seguramente!
Poderia continuar a teclar durante horas, na tentativa de descrever momentos e de traduzir por palavras o que já extravasa do coração... Ou simplesmente a divagar, pelo simples prazer da divagação. Mas o meu tempo tem agora um novo relógio! Aí está o primeiro gemido - que antecipa outro e outro, logo seguido de um choro tímido que rapidamente ganha vigor, para se tornar na emergências das emergências - a interromper-me este momento e trazer-me de volta o verdadeiro prazer da realidade.
Feliz Natal!! Também este o Primeiro!!
* Publicado no Jornal de Leiria