FUTEBOLÊS#107 ALÍVIO
Por Eduardo Louro
Depois de um interregno de duas semanas – que não sei se justificar pelas festividades de Natal e Ano Novo, se pelo muito português calendário do futebol que leva à interrupção da competição nesta altura, levando, depois, à sobrecarga competitiva, nada portuguesa, de Janeiro – o Futebolês regressa. Tarde – que não a más horas – mas regressa!
Alívio é uma expressão do futebolês com múltiplos sentidos, alguns que têm mesmo a ver com o sentido comum do termo. É muitas vezes com esse alívio que os adeptos ouvem o apito final do árbitro, vêem a ordem de expulsão de um jogador adversário ou o árbitro assinalar um pénalti salvador, tantas e tantas vezes o factor de desbloqueamento de um resultado favorável. Seja pelo normal desenrolar do jogo seja pela mãozinha marota de um árbitro sempre disponível – e também aliviado – para dar uma ajuda.
Mas há outro sentido de alívio que não está muito longe desse. Quando uma equipa está pressionada pelo adversário, que não lhe larga a grande área, que insiste em permanência com levas sucessivas de ataques que se repetem com cadência maior que a das ondas do mar, só pensa em aliviar a bola – na verdade não é abola que sente alívio, são mesmo todos os jogadores da equipa sujeita àquele compressor – em desfazer-se dela. É quando a bola vira granada, levando os jogadores a chutá-la para longe com medo que lhe rebente, não nas mãos, mas nos pés! É quando os jogadores assumem por completo aquela velha máxima popular meio masoquista do enquanto o pau vai e vem folgam as costas…
É fácil de perceber que, nestas circunstâncias – em tempo de guerra não se limpam armas – nada mais importa que chutar a bola para bem longe. Não se olha a meios para atingir esse fim, que se lixem a técnica e a estética, que se lixe o espectáculo e quem pagou bilhete.
Daí que esta fase de um jogo de futebol – de que, em boa verdade, nenhuma equipa está livre à excepção (sempre a excepção para confirmar a regra) do Barcelona –, do salve-se quem puder, seja inclusivamente exportada para muitas situações que vão para além do jogo. Aliviar de qualquer maneira, chutar para canto ou para o lado para que está virado, ou mandar a bola para o pinhal, são expressões que vêm a propósito sempre que a intenção é, em vez de fazer bem, simplesmente fechar a tarefa incumbida. Sem importar como, sem qualquer preocupação de estudar devidamente o problema e encontrar, se não a melhor, pelo menos uma solução aceitável, coerente e defensável.
Jorge Jesus não é, e dificilmente virá a ser - mesmo com a ajuda de Manuel Sérgio - exemplo em comunicação. Nesta matéria ele é muito mais o exemplo do jogo atabalhoado, do salve-se quem puder e do chutar para o lado para que está virado, sempre bem longe da baliza. No entanto soube trazer esta semana para a ribalta um grupo de trabalho a quem o governo incumbiu de estudar como o Estado pode interferir no futebol. Disse ele – e ressalvando logo que muitas vezes não utiliza as palavras certas, pelo que se ficaria por ali – que andava para aí um grupo nomeado pelo governo a pretender restringir a importação de jogadores de futebol a internacionais pelos seus países. Que essa gente não percebia rigorosamente nada disto, que não percebia que em Portugal se formavam jogadores nacionais e estrangeiros e que os clubes portugueses, e consequentemente o futebol nacional, não teriam qualquer futuro sem essa vertente de desenvolvimento.
Não terá dito exactamente assim – e até deixou o seu cunho pessoal na referência aos olhinhos portugueses, que vêm muito à frente, e a internacionais das Malvinas como exemplo da capacidade de importação do futebol nacional - mas também não é isso que importa! O que importa foi a mensagem que conseguiu fazer passar, e que todos percebemos!
Na realidade o governo criou não um, mas três grupos de trabalho – com 19 pessoas, entre licenciados, mesteres e doutores – que chegaram a conclusões brilhantes como aquela que Jorge Jesus denunciou. Mas vale a pena reparar nas outras conclusões que transformaram em recomendações ao governo, designadamente obrigar as federações a empregarem os árbitros como seus funcionários, através de contratos de trabalho, distribuir cheques de formação para jogadores carenciados e incentivos fiscais para quem contrate jogadores portugueses. Tudo coisas bem adequadas à actual realidade nacional!
Se àquilo que Jorge Jesus comentou – destruição de parte substancial da capacidade de criar valor dos clubes portugueses, a partir de matéria-prima conforme com as suas capacidades aquisitivas – juntarmos o evidente efeito inflacionista na contratação de jogadores, percebemos bem como estes senhores destes grupos de trabalho apenas se preocuparam em aliviar para longe a bola que o governo lhes entregou.
Claro que também é estranho que o governo, no actual estado do país e com tanto por onde se preocupar, se venha agora meter no futebol. Mas isso já é um velho hábito português: achamos sempre que tudo compete ao governo resolver. E como sempre temos governos que, nunca resolvendo nada, gostam de se meter em tudo, não há alívio que resolva…