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Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

ENCONTROS

Por Eduardo Louro

  

Aquele fim de tarde fazia daquela sexta-feira um dia diferente.

Acabara de enviar para Londres os últimos relatórios mensais e, pela primeira vez em muitos meses, nada havia que a deixasse agarrada àquela secretária por mais tempo. Noutras vezes arranjava sempre desculpa para ficar. Nem que tivesse que inventar trabalho! Também isso tornava diferente aquele fim de tarde …

Júlia é, aos 34 anos, top executive de uma multinacional de entretenimento, com notável capacidade de trabalho e enorme dedicação à empresa, que transformou em primeira opção de vida. Não admira, o trabalho garante-lhe o que de melhor espera da vida: remuneração confortável e deslocações constantes pelos vários cantos do mundo. Dá-lhe dinheiro e mundo, o mundo que nunca tivera. E poder, o poder que sempre procurara…

Retira o blaser Twist Storytailors que lhe alivia o ar executivo e lhe acentua o toque cosmopolita e veste-o por cima da camisa Manege, da mesma griffe. Pega na Louis Vuitton e sai do gabinete, decidida, em direcção à portaria, como se soubesse bem ao que e para onde ia. Não sabia! Mas não desceu ao piso do parque de estacionamento para pegar no carro.

Saiu a atravessou a pé as três ruas até uma esplanada à beira-rio, emoldurada pelo sol, já baixo. Escolheu uma mesa donde podia ver o sol a procurar o colo do rio, mas também o largo corredor de acesso que acabara de percorrer. Dali podia assistir ao lento curvar do sol sobre o rio, como que projectando timidamente a boca para um beijo de ardente paixão. Mas também apreciar o movimento das pessoas que entram e saem, observá-las mais ou menos discretamente…

A simples constatação destes súbitos e improváveis focos de interesse surpreendiam-na. Não era dada a observar as pessoas, isso não lhe interessava. Não se envolvia com ninguém. Muito menos era dada a romantismos de pôr-do-sol.  

Tinha o que queria da vida, era independente e bem sucedida. Nunca fora dada a romances! Na adolescência, o corpo escanzelado e sem formas e a cicatriz labial não a ajudavam nada na aproximação aos rapazes. Afastavam-na dos rapazes e aproximavam-na dos livros. Encontrou na escola, e nos padrões de alto rendimento que desenvolveu, a forma de afirmação que taparia a entrada a tudo o que fosse trauma ou frustração. Habituou-se a ser a melhor e a viver para isso: na escola, na faculdade e no trabalho. Foi tanto assim que não percebeu que o seu corpo foi ganhando formas e o seu rosto beleza. Que até a cicatriz desaparecera e era agora um must sexy

Voltou com o copo do gin tónico à boca, como que querendo bruscamente interromper o destino daquele desfile introspectivo. O sol caía já nos braços do rio, enrolados num beijo que a enchia de inveja. Olhou à volta como que procurando um olhar com que se cruzasse. Nada… Nem um olhar perdido!

Sentia-se pela primeira vez sozinha. O amargo tomou-lhe conta da boca! Não era do gin, que ainda segundos antes tão bem lhe soubera: era o sabor da solidão que, como nunca, experimentava pela primeira vez.

De repente, saída da entranha mais profunda do seu ser, surgia alguém: virou-se e, surpreendida, encontrava-se de frente consigo própria.

Jurou que nunca mais se deixaria só. Tirou o espelho da mala e olhou-se como se estivesse a ver-se pela primeira vez: olhos doces e lábios finos - a que a discreta cicatriz da fenda labial acrescenta invulgar sensualidade – e uma força insuspeita, toda ela coragem e determinação…

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