Político é que atrapalha...
Por Eduardo Louro
Os resultados das eleições presidenciais de ontem no Brasil determinaram uma poucas vezes prevista segunda volta. Confirmaram no entanto a ideia que eu de lá trouxera há duas semanas.
As eleições no Brasil começam a ter, na Europa e em particular em Portugal, alguns pontos de contacto com as americanas. Se fossem os europeus a votar nas eleições americanas provavelmente George W Bush nunca teria sido presidente dos Estados Unidos. No entanto foi eleito e reeleito!
Ora aqui está um desses pontos de contacto. Se fossem os europeus, ou no caso mesmo o resto do mundo, a votar nas eleições presidenciais de ontem a candidata de Lula – Dilma Roussef – teria vencido claramente e arrumado a questão. Mas foram, como não poderia deixar de ser, os brasileiros. E esses, apesar de tudo o que o Brasil conquistou nos últimos quinze anos, foram mais comedidos na hora de atribuir o crédito a Lula.
O Brasil é hoje uma grande potência com uma influência decisiva no xadrez mundial: estratégica, política, económica e, evidentemente, cultural. É uma potência eclética, e não meramente económica!
É, como hoje se diz, um player global. Um mero exemplo: enquanto, há duas ou três semanas atrás, no Rio de Janeiro se abriam as portas da Rio Oil & Gás, já com o estatuto de maior feira mundial do sector, no mesmo dia – evidentemente que não foi por acaso – em S. Paulo, abria na Bolsa o período de subscrição do aumento de capital da Petrobrás, a maior operação de capitalização de sempre em todo o mundo.
O Brasil eliminou uma enorme parte da imensa pobreza que lhe minava o desenvolvimento e criou uma classe média que integra hoje metade da população. Uma classe média que nunca teve e que hoje tem um papel na economia brasileira ao nível do das economias desenvolvidas. Uma classe média que não se vê apenas nas estatísticas mas que se sente na rua, nos restaurantes e nos hotéis!
Tudo isto em quinze anos e em duas presidências: Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula da Silva. Sim, há méritos a distribuir também por FHC, que iniciou este percurso.
No entanto, chegada a hora de substituir Lula, a campanha eleitoral encarregou-se de esquecer FHC para transformar Lula no credor único deste sucesso. E Lula tomou conta da campanha: a sua participação foi inclusive superior à da sua candidata, numa atitude de intervenção directa sem paralelo. Parafraseando todos os seus discursos, nunca antes um presidente em exercício tinha intervindo tão activamente numa campanha.
Surpreendente foi a reacção de José Serra que, em vez de salientar o papel de FHC – seu companheiro de partido, o PSDB – e de o puxar também para a campanha, adoptou uma atitude que mais parecia de ciúme. Muitas das vezes ficou mais a ideia de que tinha ciúmes de Vilma por ser ela, e não ele, a receber o apoio do presidente feito Deus, do que propriamente a denunciar os excessos do empenho do presidente numa sucessão dinástica.
A campanha de Vilma Roussef foi de facto a campanha de Lula da Silva. Com tudo a favor, incluindo os erros do seu principal adversário. Mas não foi suficiente para ganhar (46,88%) e agora tudo fica a depender do que vier a acontecer na segunda volta com os votos (quase 20%) de Marina Silva, a ecologista saída também não só do PT de Lula como do seu governo.
Aos nossos olhos europeus parece difícil de entender como é que, nestas circunstâncias, Lula – é claro que este resultado de Vilma é um resultado de Lula – não consegue ganhar as eleições. Mas quem olhar com atenção para o Brasil percebe a debilidade do sistema político brasileiro e percebe que Lula não conseguiu passar entre os pingos da chuva.
Não me esqueço da resposta de um taxista quando eu lhe manifestava o meu entusiasmo por ver o país entre as maiores potências mundiais: “É… o Brasil tem tudo, político é que atrapalha”!