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Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

APENAS MAIS UM DIA?

Por Eduardo Louro 

 Danica representa simbolicamente a chegada da população mundial aos 7 mil milhões de pessoas

O dia de hoje – este dia 31 de Outubro de 2011 - nasceu lindo, cheio de sol e de promessas! O último de um Outubro que fugira do Outono porque quis ser Verão. Deixou-se apanhar já perto do fim e não resistiu a uns dias de chuva e vento, de temporal que fez das suas, de Norte a Sul. Roubando vidas a Norte e bens a Sul. Onde deixou de cabelos em pé centenas de turistas que, à procura do sol que ninguém nos consegue tirar, rumaram ao aeroporto de Faro destruído pelo temporal de há precisamente uma semana!

Também este último dia de Outubro, que nasceu lindo, vai ficando Outono. É o Outono a lembrar-lhe que o apanhou, que não vale a pena fugir-lhe porque é e será sempre seu!

Este não é apenas o dia em que Outubro se despede, um Outubro finalmente convencido que é Outono. É o dia em que, na proclamação simbólica da ONU, a Humanidade passa oficialmente a contar com 7 mil milhões de seres humanos. Um número esmagador, certamente mais impressionante se olharmos para trás: 300 milhões há 2 mil anos, ao tempo de Cristo e 2 mil milhões no final do primeiro quartel do século passado.

O ser humano 7 mil milhões, na simbologia da ONU, é uma menina que nasceu pouco depois da meia-noite em Manila, capital das Filipinas - no profundo terceiro mundo que alimenta a vida mas ainda mais a morte - e chama-se Danica May Camacho (na foto).

Eu esperava muito deste dia, confesso. Percebi que terei que esperar por amanhã, já Novembro, no dia de Pão por Deus!

 

PAÍSES IRMÃOS?

Por Eduardo Louro 

 

O caso Duarte Lima, a que regresso sem de novo entrar propriamente nele, trouxe ao de cima a inexistência de acordo de extradição entre Portugal e o Brasil. Não é o primeiro caso de figuras públicas protegidas por essa lacuna, ainda há não muito tivemos a Fátima Felgueiras a tirar proveito dessa situação.

O Brasil tem acordos de extradição com uma imensidão de países – a começar já aqui em Espanha – mas não tem com Portugal. Ao ponto de ter já apanhado por aí – creio que vinda do bastonário da Ordem dos Advogados – uma ideia curiosa. A ideia é esta e foi expressa mais ou menos assim: Duarte Lima, para não ser preso, sujeita-se a ficar preso em Portugal.

Pois é. O Brasil tem acordos de extradição com toda a gente menos com o país irmão. E vice-versa! É estranho! Em vez de cooperarem entre si para a sã aplicação da justiça aos seus cidadãos, parece que os dois países irmãos se preocuparam mais em servir de recíproco covil de malfeitores. Uma solidariedade com o crime pouco explicável! Entre irmãos espera-se mais!

Esta é uma solidariedade nada fraternal, mais própria de outros laços familiares… De outras famílias. E dos seus padrinhos!

Futebolês #99 OFERECER O CORPO À BOLA

Por Eduardo Louro

Esta é a centésima edição do Futebolês. É o número 99, mas como o primeiro foi o número zero… Não é razão para festejar, se o fosse comemorar-se-ia hoje o número 100, que só surgirá na próxima semana. Como se faz com as passagens de década, de século e de milénio. Em 1999, com a passagem para o ano 2000, festejou-se a passagem do milénio. Em 2009, a primeira década deste século. Indevidamente, porque não houve ano zero; o primeiro ano foi o ano 1, ao contrário do que se passa aqui no Futebolês.

Talvez porque estes números mais redondos nos levam sempre a olhar para trás, hoje regresso a uma certa dimensão erótica da bola que por aqui passou, em particular no número 1 (Beijar), que foi justamente o segundo, mas também noutros dos primeiros números. É aquela ideia da bola transformada na mais apetecida das beldades, que 22 rapazes disputam até ao limite das suas forças (o futebol feminino começa a dar cabo desta narrativa idílica, mas deixem passar). Numa beldade rebelde e insinuante que tão depressa se entrega, dócil e meiga, apaixonada, como, de repente, ultrapassa todos os limites da irreverência, salta de uns braços (leia-se pés) para outros sem que ninguém a segure, ninguém a domine e ninguém lhe possa chamar sua.

Evidentemente que, num campo cheio de rapazolas na flor da idade, não faltaria quem lhe quisesse oferecer o corpo. Uma beldade destas - insinuante, rebelde, muito dada a uma certa vadiagem e pouco a fidelidades - tem muito por onde escolher. Atrevida, manda-se a eles!

E é este manda-se a eles que reverte a situação, acabando por transformar a oferta do corpo – bem diferente de venda do corpo, como se percebe, e que estabelece as fronteiras desta dimensão erótica, fechadas à pornografia – numa missão de sacrifício. Oferecer o corpo à bola não é, assim, uma simples oferta que se aceita ou rejeita. Nem junta o prazer da oferta – oferecer é normalmente um acto de prazer – aos prazeres do corpo.

Oferecer o corpo à bola é sempre um acto deliberado. O corpo entrega-se – dir-se-ia de corpo e alma - à bola, ao contrário do que acontece noutros encontros de ocasião. Que os há, e bem suspeitos!

E não pensem que tenho apenas em mente aqueles encontros de particular abuso, em que a bola ultrapassa os limites da rebeldia e do atrevimento e atinge o puro descaramento, atirando-se directamente às chamadas partes baixas dos rapazes. Não, estou também a pensar em fugazes e escondidos jogos de mãos, de carícia aqui e afago ali, sempre que a ocasião o permita.

Não tem, claro, o arrebatamento da grandeza destemida de oferecer o corpo à bola, às claras e à vista de todos. Dê no que der. Nem a exuberância de movimentos contorcionistas de uma bolada nas ditas partes baixas. Mas tem a adrenalina do flirt, a sensação única da transgressão e aquele prazer indescritível da cumplicidade escondida ou mesmo secreta. Como sempre acontece nestas circunstâncias, toda a gente está a ver. Eles é que, como os jovens de antigamente, tão enamorados quanto ingénuos, pensam que ninguém vê. Acontecem no recato e no aconchego da grande área, precisamente para onde toda a gente tem os olhos virados, tão expostos quanto num banco de jardim numa tarde de sábado cheia de sol. O Rolando, por exemplo, é um dos maiores especialistas desta marmelada. É useiro e vezeiro em passar a mão pelo pêlo da bola em plena grande área, pensando que, lá porque conta com a cumplicidade do árbitro, ninguém mais vê. Mas lá está, toda a gente vê. Menos quem deveria!

Não digo que não seja rapaz de dar o corpo à bola – embora tenha por lá colegas bem mais dados à tarefa - mas do que ele gosta mesmo é destes encontros de ocasião. Que, como se vai vendo - especialmente em ambientes a que está menos habituado, na selecção ou mesmo nos jogos europeus do seu clube – lhe começam a criar algumas dificuldades. Logo a ele que foi o primeiro a falar em dar o salto, contando até que o André Vilas Boas não perdesse o seu número de telefone.

E, já que isto foi desaguar ao novo Dragão de Ouro, cá estamos já todos à espera – 30 anos passam num instante - das suas memórias, com prefácio de Pinto da Costa. Prefácio e título: A Cadeira de Sonho!

Um verdadeiro especialista em dar o corpo à bola, este Pinto da Costa!

 

 

 

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Por Eduardo Louro 

 

A presunção de inocência é um instituto das sociedades civilizadas plasmado nos conceitos de Direito e de Justiça: todas as pessoas são inocentes até prova em contrário. Apenas os tribunais, depois transitado em julgado, podem selar o rótulo de condenado!

Visa-se, assim, preservar o bom nome – direito sagrado das pessoas.

Assim é e assim deve ser, nenhuma dúvida a esse respeito!

Sabemos, porém, que raramente assim é e todos os dias vemos esse direito atropelado. Irremediavelmente, quase sempre!

Da suspeita à condenação pública, ao assassinato do bom nome, é um passo de criança. É sempre assim, e é tanto mais assim quanto mais pública for a figura do suspeito. A presunção da inocência é, no entanto, logo invocada sempre que o assunto chega aos telejornais e são ouvidos, a propósito, os diferentes especialistas da justiça. Dizer que é invocado porque o suspeito é figura de proa é redundante, porque apenas esses casos chegam ao espaço mediático com direito a consultas de opinião especializada.

Vem isto a propósito da acusação de homicídio a Duarte Lima pela Justiça Brasileira, que está a ocupar as manchetes de jornais e telejornais. Depois de dadas as mais diversas explicações sobre os contornos processuais em causa, sobre o que a Justiça Portuguesa pode ou não pode fazer ou sobre a impossibilidade de extradição, lá vem o alerta final da presunção de inocência. Que, como sempre, para a opinião pública já não serve de nada.

Duarte Lima tem, evidentemente, esse direito. Mas a verdade é que não está a fazer nada para que lhe seja reconhecido. E devia!

O lugar de destaque que ocupa (ou ocupou) na sociedade obrigá-lo-ia – mais ainda pelo papel que assumiu na sequência da grave doença que o afectou há uns anos do que propriamente pelas funções políticas que assumiu - e que lhe garantiram também esse estranho direito a uma dessas subvenções vitalícias, de que não abdicou - a defender esse seu direito à presunção da própria inocência. Assim, desaparecido em parte incerta ou escondido num buraco qualquer, é que não! Por si, por nós todos e pelo fundamental princípio da presunção da inocência!

NOTÍCIAS DA CIMEIRA EUROPEIA

Por Eduardo Louro 

 

Durou até às tantas. Entrou pela madrugada dentro mas, ao ouvirmos Durão Barroso, e mesmo Passos Coelho, parece que valeu a pena. Um diz que a cimeira acordou finalmente no que ele anda há muito a dizer, e vê-se que isso o deixa feliz. O outro, o nosso primeiro-ministro, diz que a cimeira, também finalmente, resolveu o problema da Grécia e, com isso, Portugal ficou livre de pedir nova ajuda! Via-se que, se não ficara também ele feliz, ficara pelo menos aliviado.

Vamos por partes, e comecemos pelo corte - o hair cut, como se diz – de 50% da dívida grega, com a participação da banca privada. Quer dizer, sem incidente de crédito, que iria desencadear os resseguros, os chamados CDS (credit default swap) e provocar uma autêntica guerra atómica que pouco do edifício financeiro global deixaria de pé.

O problema não é quem é que sai mais ajudado desta medida. Se a Grécia, que fica ainda a correr atrás do objectivo de fixar a sua dívida nos 120% do PIB lá para 2020, se a banca credora que, em boa verdade, fica a perder metade quando já tinha perdido tudo: a dívida da Grécia valia zero! O problema é que a Grécia nunca conseguirá pagar uma dívida dessa ordem. Parece-me que cortar 50% é curto e, nesse sentido, isto é mais um adiamento, mais uma das habituais medidas a conta-gotas, que em vez de decisivamente resolver os problemas os empurra com a barriga.

O reforço do FEEF para mais do dobro – de 440 mil milhões para um bilião de euros – também não foge muito disto. Do conta-gotas. Não chega para Portugal – ninguém tem dúvidas que teremos de lá voltar a curto prazo, pois não? -, para a Itália e para a Bélgica - que provocará réplicas de alguma intensidade em França -, já para não falar da Espanha nem da Irlanda, que parecem empenhadas em transformar os PIGS em PIB, que é muito mais saudável.

A terceira medida que saiu da cimeira foi a implementação da tão badalada governação económica. Durão Barroso anunciou, já hoje no PE, que apresentará em Novembro um plano geral de governação económica, com base no reforço do papel do executivo comunitário saído da cimeira. Coisa vaga, mais uma vez! Sobre a verdadeira solução – o inevitável orçamento comunitário – nem uma palavra!

Por último a recapitalização da banca que, até por ser uma medida complementar - directamente relacionada com a decisão do corte da dívida grega - é a mais objectiva, pacífica e consensual. É efectiva – terá que estar concluída até ao final de Junho de 2012 -, tão efectiva que resolve de vez a rábula da banca portuguesa. Os principais banqueiros nacionais, que ainda ontem continuavam a garantir que não precisavam, porque não queriam dizer que de não quereriam (não queriam o Estado lá dentro, apesar das garantias do primeiro-ministro de que o Estado seria um sleeping partner), já todos hoje anunciaram a adesão ao plano de recapitalização. E as suas cotações subiram de imediato na sessão de hoje da Bolsa, com o BES – o único a dizer que cumpre o respectivo aumento de capital através dos seus accionistas, sem recorrer ao fundo estatal dos célebres 12 mil milhões – a bater recordes.

E foi isto o que saiu da cimeira que, dizem alguns optimistas militantes, voltou a meter o euro no trilho certo. Longe disso, bem longe disso, digo eu!

CONSELHO DE ESTADO

Por Eduardo Louro 

 Conselho de Estado apela a "espírito de diálogo construtivo"

O Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente da República, por ele presidido.

Ao Conselho de Estado compete pronunciar-se sobre um conjunto de actos da responsabilidade do Presidente da República

Se nos dermos ao trabalho de ir saber o que diz a Constituição sobre este Órgão lá encontraremos, no artigo 145º, as competências do Conselho de Estado:

  1. Pronunciar-se sobre a dissolução da Assembleia da República e das Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
  2. Pronunciar-se sobre a demissão do Governo, no caso previsto no n.º 2 do artigo 195.º;
  3. Pronunciar-se sobre a declaração da guerra e a feitura da paz;
  4. Pronunciar-se sobre os actos do Presidente da República interino referidos no artigo 139.º;
  5. Pronunciar-se nos demais casos previstos na Constituição e, em geral, aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar.

Coisa séria, portanto!

Quando me fui apercebendo de certas pessoas que por lá se sentavam – algumas mesmo pouco recomendáveis e que, apesar de saberem que já toda a gente o sabia, se recusaram a levantar e dar o lugar a outros – comecei a pensar que, afinal, sendo coisa séria, nem sempre seria para levar a sério. Daí que já não tivesse levado a coisa muito a sério quando, há cerca de um mês, o Presidente anunciou a convocatória do dito. Coisas da crise, pensei eu!

Calma, não é o que pensam. Coisas da crise porque a vida não está fácil e o valor da senha de presença dá uma ajudita! Realmente não via outra razão, e convido a reler o primeiro parágrafo para confirmar esta conclusão.

Já sei. Releram e descobriram que aquela última alínea do tal artigo tem uma escapatória: “…e, em geral, aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar”. Esta pequena frase dá cobertura a tudo, cá está a justificação da convocação deste Conselho de Estado!

Mas, que se saiba, não aconselhou o Presidente a coisa nenhuma. Não se percebe nada disso do comunicado final. Seis horas – seis – para, depois, sair isto: "No momento em que, na Assembleia da República, decorrem os trabalhos para a aprovação do Orçamento do Estado para 2012, o Conselho de Estado apela a todas as forças políticas e sociais para que impere um espírito de diálogo construtivo capaz de assegurar os entendimentos que melhor sirvam os interesses do país, quer a estabilização financeira, quer o crescimento económico, a criação de emprego e a preservação da coesão social"

Isto poderia o Presidente escrever no facebook, não era necessário maçar aquela gente toda e sempre se poupava nas senhas de presença e numas viagens da Madeira e dos Açores. E não se tinha dado mais uma martelada nas instituições: se, pela sua composição e pelas próprias birras que arrasta, já não era pelo Conselho de Estado que as instituições da nossa democracia se salvavam, estas reuniões e estes comunicados condenam-nas sem remissão.

Quando o governo diz que a solução está no empobrecimento o Conselho de Estado faz apelo a entendimentos que sirvam o crescimento económico, a criação de emprego e a coesão social. É tudo brincadeira, não é?

 

CUIDADO COM A SAÍDA DOS ESTÚDIOS!

Por Eduardo Louro 

 

A tempestade a que fiz referência no texto anterior, em baixo, não deixará de condicionar fortemente o debate político mediático, em particular o debate espectáculo que anima os serões televisivos da programação alternativa às telenovelas.

Não sei se o elenco de actores destes autênticos talk-shows irá ou não sofrer cortes tão drásticos como os do Orçamento de Estado. Se ainda houvesse vergonha, ou ponta dela, certamente que o campo de recrutamento estaria substancialmente restringido: depois de descobertas as carecas das subvenções vitalícias, a maior parte desta gente não deveria sentir-se muito confortável à frente das câmaras…

Sabemos todos que vergonha é coisa do passado – hoje já ninguém sabe o que isso é – e, por isso, não acredito que, de repente, os directores das diferentes estações de televisão andem, de candeia na mão, à procura de outras caras.

Vão continuar lá todos. Mas com mais trabalho, espero. Mesmo sem vergonha, não poderão manter o mesmo discurso; terão que puxar mais um bocadinho pela cabeça para encontrar narrativas de substituição para os eixos centrais do seu discurso. É que, como não são parvos, sabem que se continuarem com o discurso dos direitos adquiridos e acusar os portugueses de viverem acima das suas possibilidades, arriscam-se a ter alguém à espera à saída do estúdio!

 

SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E NATAL

Por Eduardo Louro 

 

O corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos veio desencadear a tempestade que acabou de vez com este Verão que, nada incomodado com o que de mal se vive neste país, ia teimando em resistir e ficar por cá, bem ao contrário da vontade da maioria de todos nós.

Uma tempestade maior que a da noite passada: foi o Presidente, foi a Associação Sindical dos Juízes, foram até ministros e secretários de Estado, que lá tiveram que deitar fora os seus subsídios de alojamento. Até o ministro da defesa, que não só renega ao subsídio como recusa utilizar a residência oficial, no Forte de S. Julião da Barra, outrora habitado por Portas e onde, há muitos anos, alguém caiu de uma cadeira. Chegou mesmo às subvenções vitalícias da infindável lista de antigos titulares de cargos públicos que, coitados, se vêm agora na eminência de perder o seu rendimento mínimo de inserção. Que há-de ser da vida deles, agora que se vêm na contingência de ter de viver com os míseros ordenados dos múltiplos lugares nas administrações e demais órgãos sociais das empresas do regime, que a sua desinteressada e missionária passagem pelo poder lhes havia garantido?

Desconfio bem que haja já muita gente arrependida de ter tomado esta medida!

A verdade é que – talvez por não acreditarem muito nas previsões meteorológicas e admitirem que o sol continuaria a brilhar – muitos dos ideólogos desta ofensiva liberal defendiam a medida com unhas e dentes. E apostavam na sua institucionalização definitiva, alargando-a, evidentemente, ao sector privado porque, dizem (ou diziam) que não faz sentido nenhum trabalhar onze meses e ganhar por catorze. Coisa que só em Portugal, garantiam! No Expresso deste último sábado lá vinha o inultrapassável Mário Crespo a dizer que tinha tentado explicar a um casal amigo americano que, em Portugal, havia um mês em que não se trabalhava e se ganhava a dobrar. A aberração é tal que os seus amigos, não conseguindo compreendê-la, apenas riram perdidamente. Enfim, problemas de quem só tem amigos na América…

Como a troika também se refere vagamente a esta idiossincrasia portuguesa, a ideia de acabar de vez com os subsídios de Natal e de férias está fazer caminho. Mesmo que não se corte no rendimento anual há que acabar já com esta aberração que nos cobre de vergonha por esse mundo fora: repercutem-se os catorze meses de vencimento nos doze do calendário, e aí estamos de novo de cara lavada e cabeça bem erguida!

Parece-me que, com esta febre toda que por aí vai, com a ânsia incontrolável de carregar cada vez mais o pé no pescoço de tudo o que tenha a ver com o factor trabalho, há gente que perde por completo a noção das coisas.

Vamos lá a ver. A economia de consumo fez do Natal a sua estação alta. Transformou esse período no maior pique de consumo do ano, ao ponto de muitos sectores da sociedade, crentes e não crentes (não é aí que fica a fronteira), verberarem - sem contudo lhe conseguirem resistir – e condenarem a febre consumista que há muito tomou conta do Natal. Desvirtuando-o, diz-se amiúde!

Não preciso de dizer muito mais. Já se percebeu a origem do subsídio de Natal. E a sua utilidade!

As férias – conquista, do ponto de vista histórico, bem recente – tornaram-se no segundo ponto alto da curva de consumo. Enquanto as pessoas trabalham não estão a consumir, tem que se lhes dar tempo para isso. E dinheiro, evidentemente! Pronto, também já se percebeu…

Esta gente, que agora quer atirar sobre tudo o que mexe, deveria perceber que o sistema precisa destes dois subsídios. Que, se não precisasse, não os tinha criado. E que os criou para que funcionassem como um plano de poupança, como um mealheiro onde se guarda o dinheiro para gastar nos bens não essenciais que o mercado obriga a consumir. Distribuir o rendimento dos catorze meses pelos doze é acabar com esse mealheiro e promover um ligeiro acréscimo de consumo corrente de bens essenciais e matar os consumos de Natal e das férias. E com eles de largos sectores da economia!

Estão a passar-se coisas que tenho dificuldade em perceber. Defeito meu certamente!

 

 

 

CONTRASTES

Convidado: Luís Fialho de Almeida

 

Poderia aqui falar dos contrastes entre as expectativas que tínhamos para o nosso futuro e a realidade que nos cai em cima, entre a verdade que tem sido escondida e a mentira que nos oferecem no discurso político. Acentuam-se as assimetrias sociais e os contrastes ao nível dos sacrifícios e privações que recaem sobre os cidadãos, no esforço para reduzir a enorme divida interna e externa - a tornar-se eterna - divida resultante da tirania do mercado financeiro global e dos diversos protagonistas desta sociedade que, na liderança, deveriam ter o saber, a competência e a honestidade para, com verdade e sem ocultações, resolver em vez de adiar.

O tema é recorrente e quotidianamente agravado, pelo que, para não acentuar os sintomas depressivos, falarei de outros contrastes, entre os sentimentos que nos ficam de outras realidades.

Da glória ao repúdio

Recentemente, ao percorrer alguns dos territórios que estiveram sob o domínio do Império Austro-Húngaro, Budapeste pareceu-me fascinante. De dia, a monumentalidade da arquitectura distribuída linearmente ao longo do Danúbio. De noite, essa mesma grandeza iluminada, reflectia-se nas águas do rio ao som de Strauss, evocando a nobreza desse Império em salões festivos.

Viena e Praga são, igualmente, a expressão dessa grandeza, cujos sinais também podem ser vistos em muitas outras cidades, sendo hoje lugares destacados da divulgação do património histórico, cultural e artístico, fonte de importante actividade turística.

Nos territórios que estiveram posteriormente sob o domínio soviético, no período pós 2ª guerra mundial, nomeadamente na Republica Checa, Eslováquia e Hungria, somos confrontados com o contraste entre os sinais de glória de um Império e a memória, ainda recente, dos tempos da ocupação soviética geradora de manifesto repúdio. Recolhem-se frequentes testemunhos dessa ocupação e das fortes restrições na economia, nos direitos e liberdades individuais, designadamente, como afirmava uma residente em Bratislava, a propósito da repressão do culto religioso “… como processo reactivo, procurávamos manter a vitalidade das igrejas, não tanto por fé, mas porque nos dava uma certa adrenalina."

Do horror ao sublime

Em outro tempo e circunstância, ao percorrer a “Rota do Vinho da Alsácia” subi ao Monte Sainte Odile, onde um convento venera a Sante Odile, protectora da Alsácia. A altitude do lugar permite uma vista deslumbrante sobre toda a região envolvente. As vinhas na proximidade, mais longe, o vale do Reno a separar França da Alemanha, e muitas cidades destes dois países, identificadas em painel informativo no local. Ficamos fascinados pela dimensão, harmonia da paisagem e pela paz do lugar.

No dia seguinte, já em Estrasburgo, procurei informação sobre a existência, naquela região, do que foi um campo de concentração nazi na França ocupada durante a 2ª guerra. Constatei que a sua localização é próxima do Monte Sainte-Odile, pelo que regressei praticamente onde estivera anteriormente.

“Struttof”, nome do campo, rodeado de luxuriante vegetação, é agora um memorial da morte. Percorre-se em silêncio, por respeito aos mártires que ali tiveram a morte brutalmente antecipada. Da visita às áreas do campo, incluindo a câmara de gás e o crematório, interioriza-se o sentimento de inexplicável atrocidade e genocídio cometido pelo ser humano contra o seu semelhante, e de que a história tem muitos e infelizes exemplos.

Naquele dia luminoso, comparando Struttof com Monte Sainte-Odile, ali ao lado, não pude evitar de olhar para o azul infinito do céu, na esperança de ter do Sobrenatural a explicação de como é possível misturar ali, no Paraíso, o Inferno e o Céu, o horror e o sublime?

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