A entrevista do primeiro-ministro foi formalmente certinha. Pedro Passos Coelho é um entrevistado sereno e tranquilo. Transmite um ar de seriedade e de sinceridade que, conjuntamente com a serenidade, a tranquilidade e mesmo alguma simpatia em doses Q B, o coloca nas antípodas do tom arrogante e conflituoso de Sócrates, que em vez de responder às perguntas do entrevistador debitava apenas um discurso formatado e repetitivo e, também por isso, digno de pouco (ou nenhum) crédito. Pese embora a utilização de uma linguagem tecnocrática, que não ajudou na entrevista, Passos Coelho passa bem em televisão, como se sabe!
Deixando de lado a forma e virando-me para a substância diria que não houve novidades. É certo que pareceu indicar uma mudança de discurso quanto ao papel do BCE, que nesta altura do campeonato nem aquece nem arrefece. E que disse que havia um plano para a saída do euro, que não sei se será realismo se sinal descrença. Mas não teve medo de o afirmar, o que me parece reforçar os créditos da seriedade da sua comunicação!
Claro que com este cenário nem sequer vale a pena enfatizar o facto de, enquanto declarava que o orçamento hoje aprovado era o mais difícil de sempre, adiantar que mais e mais gravosas medidas de austeridade estarão a caminho… Quer dizer, o inferno que nos espera é bem pior do que aquele que se espreita a partir do orçamento!
Também não se fala de economia. Nem das inadiáveis reformas estruturais. Mas que importa tudo isso se nem sabemos se daqui por duas semanas ainda existe euro! Assim é conversa fiada…
Portugal não tem grandes tradições senatoriais. Desde logo porque não tem um Senado e, sem Senado, não há senadores… Mas, a exemplo de outros países que também não dispõem de uma câmara alta entre as suas instituições, há figuras que, pelo seu passado, adquirem um estatuto de grande peso específico na nossa sociedade.
Mário Soares, mas também Freitas do Amaral, serão provavelmente as figuras nacionais que mais atributos apresentam para reivindicar esse estatuto. É certo que não basta reivindicá-lo e que há quem trate melhor ou menos bem desse papel.
O atributo primeiro para garantir e sustentar esse papel é a autoridade, uma autoridade que decorre da própria história pessoal. Depois virá a independência. E depois mais uma série de outros, entre as quais uma adequada gestão do discurso e, especialmente, uma certa contenção.
Não vislumbrando muitas outras, também não me parece que as duas figuras que se digladiaram em 1986 sejam exactamente os melhores exemplos de gestão desse estatuto. Desbaratam frequentemente atributos, por actos, incongruências e, às vezes, por omissões. Por coincidência ou não, são ambos hoje notícia!
Uma matriz comum – a Europa – sobre o mesmo pano de fundo: o afundamento do projecto europeu. E uma linguagem também comum na falta de rigor e mesmo numa certa leviandade. É certo que no actual drama em que a Europa de transformou não será fácil encontrar um discurso lúcido e coerente. O desespero grassa em Portugal e por essa Europa fora, sem saídas à vista. Nem os mais optimistas conseguem vislumbrar outro cenário que não o fim deste projecto europeu, a implosão de um espaço que se tinha como adquirido de paz, progresso económico e social e de liberdade. Mas, daí até justificar tudo com as actuais lideranças alemã e francesa, ou encontrar a saída através de uma revolução – que teria de ser pan-europeia e que ninguém faz a mínima ideia do que poderia ser – vai uma grande distância. Que não está ao alcance de nenhum senador!
O beco sem saída a que chegamos foi projectado há muito tempo. Pela mão de alguns dos que hoje, para estes senadores e não só, são os grandes impulsionadores do projecto europeu. Quando Helmut Khol e Miterrand resolveram que uma mão - a unificação alemã – lavava a outra - a moeda única -, e Jacques Delors decidiu dar gás a um euro artificial sem olhar aos cuidados que vozes avisadas lhe recomendavam. Nessa altura, quando, como sempre, em cima da mesa estavam os interesses alemães – com o mesmo miúdo atrás, como agora Freitas refere – ninguém falou em ditadura. Nem ninguém se lembrou da democracia, deixando estas coisas sempre à margem da consulta dos europeus que, então, não contavam para nada. A Europa tinha verdadeiros líderes, elites de grande craveira. Para quê a democracia?
E se alguém tivesse o arrojo de submeter as decisões democráticas do eixo franco-alemão – então constituído por gente de bem – ao veredicto popular já sabia que o teria de fazer tantas vezes quantas as necessárias para as sufragar. Nem que para isso fosse necessário lançar mão de chantagens de toda a ordem. Tudo muito democrático e sem necessidade de revolução nenhuma!
Os chamados comentadores, que representam os clubes nos painéis dos múltiplos programas que enchem o espaço mediático, não comentam nem esclarecem coisa nenhuma. São apenas caixas de ressonância de tudo isto, amplificando tudo o que de pior fazem e dizem os respectivos dirigentes, de quem são meras correias de transmissão!
Gosto muito de futebol Mas não tolero este futebol desta gente …
Poderá não ter sido um grande jogo, mas foi um jogo grande!
Como aqui tinha antecipado, o árbitro cumpriu a nova lei do futebol que proíbe os adversários do Sporting de jogar com 11. De resto, um grande ambiente! Nota alta para o Benfica, que ganhou um jogo tão difícil quanto importante. E nota também alta para a equipa do Sporting – que demonstrou claramente ter condições para disputar o título – e para os adeptos do Benfica e do Sporting que conviveram saudavelmente nas bancadas da Luz (á minha volta havia quase tantos sportinguistas – alguns deles conhecidas figuras públicas - como benfiquistas, desfrutamos juntos do jogo e das suas incidências e, no final, despedimo-nos com todo o fair play) a provar que, fora do enquadramento das direcções dos clubes e das claques, o ambiente que se vive no futebol chega até a ser afectuoso.
A nota negra viria – pois claro - das claques sportiguistas que resolveram, sob a passividade cúmplice das autoridades, incendiar toda a zona onde estavam instalados, precisamente a polémica zona de protecção agora criada. Uma zona de protecção que faz todo o sentido ( e é utilizada nos mais modernos estádios da Europa) quando se fala de grupos de adeptos organizados – sempre claques, como se sabe – e que os responsáveis do Sporting começaram por incendiar bem antes de aqueles energúmenos terem desatado a pegar fogo nas cadeiras, no final do jogo. Antes, bem antes do fim do jogo, já aquela gente havia partido tudo o que era vitrina naquela zona!
Antes, mais de três semanas antes do jogo, já os dirigentes sportinguistas começavam a criar matéria inflamável quando, de forma absolutamente gratuita e infundada, como se provaria com a devolução de bilhetes enviados pelo Benfica, reclamavam 10 mil ingressos, bem acima do que as regras da Liga prevêem e do que a história e o bom senso justificavam.
Mal está esta classe de dirigentes que pensa que pode viver disto… Estou certo que os sportinguistas que foram meus vizinhos de circunstância, e com quem tive o gosto de partilhar aquelas duas horas, ficaram envergonhados!
Com esta expressão de hoje – colado à linha – o futebolês regressa ao non sense. Ao indecifrável e ininteligível noutra linguagem!
Para complicar avancemos com o sinónimo: encostado à linha! Pois é: colado à linha e encostado à linha é exactamente a mesma coisa!
Se a ideia de alguma coisa colada a uma linha ainda poderá fazer algum sentido, a de encostado à linha é que não tem ponta por onde se pegue. Ninguém se encosta a uma linha. É virtualmente impossível! Acresce que, colado ou encostado – que não são sequer coisas semelhantes, são a mesma – induzem uma ideia de estaticismo. De ausência completa de movimento: colado, está preso – incapaz de se movimentar – e, encostado, está parado – sem vontade nenhuma de se movimentar!
No entanto a expressão – uma ou outra, é indiferente porque são absolutamente sinónimas – aplica-se para identificar movimentos. Certamente a mais movimentada das movimentações dos jogadores. Há jogadores que desempenham as suas acções bem no meio do campo, mais atrás, mais à frente ou mesmo mais no meio, mas sempre na faixa central do terreno, como se diz em futebolês. Há outros que, como também se deve dizer, o fazem nas faixas laterais. São, na designação moderna, os alas - antigamente dizia-se que eram extremos, talvez menos apropriado ainda – ou os defesas laterais, cada vez menos defesas e cada vez mais laterais. Há alas que, jogando nas faixas laterais, flectem para o centro. Fazem as hoje tão faladas diagonais, saindo da linha para o centro, seja à procura de oportunidade de remate seja para desposicionar a defesa adversária. E há os que, nunca – bem, não exageremos, quase nunca – largam a linha lateral – à esquerda ou à direita - que assinala o comprimento (105 metros ) daquele rectângulo. Pois, são esses! São esses que correm que nem uns perdidos ao longo desses 105 metros de quem, no entanto, se diz estarem encostados ou colados à linha!
Classicamente - à maneira dos antigos extremos - os jogadores encostam-se à linha por estratégia de ataque. Para alargar mais o campo e correrem até à linha de fundo para, daí, colocarem a bola de frente para os seus colegas em movimento atacante. Eram jogadores que faziam poucos golos mas muitas assistências. Actualmente os treinadores colocam jogadores colados à linha mais por razões defensivas do que outras; mais com a ideia de impedir o avanço dos laterais contrários e de, assim, dificultar o alargamento circunstancial da capacidade ofensiva do adversário, do que por qualquer outra.
No derbide logo à noite iremos certamente ver comportamentos distintos dos diferentes alas. No Benfica, os dois alas não jogam exactamente colados à linha. Gaitan e Bruno César – e o mesmo se passa com Nolito – nem se encostam nem se colam às linhas, partem da linha em diagonal para o centro, onde fazem o último passe ou mesmo o remate.
O Sporting joga apenas com um verdadeiro ala: Capel, à esquerda. Esse sim, sempre colado à linha. Como poucos e como já não se vê! É daqueles bem à antiga, que põem a cabeça em baixo, fecham os olhos e lá vão eles…a correr que nem doidos. Para nada, na grande maioria das vezes…Mas os adeptos do Sporting apreciam o estilo. Na direita não tem um ala puro, excepto quando coloca em jogo aquele miúdo peruano - Carrillo, se não estou em erro (não sou muito bom a fixar os nomes de alguns jogadores) – já naquela parte do jogo em que estão a jogar contra 10.
Espero bem que logo à noite na Luz não tenha sequer a oportunidade de ver o tal miúdo na ala direita. Sei bem que é difícil, porque dá-me a impressão que há um regulamento qualquer na Liga que impede o Sporting de jogar contra 11… Os árbitros apenas cumprem a lei. Nada mais!
E, claro, verei o Capel colado à linha… Mas sempre a correr atrás do Maxi Pereira!
Do outro lado Gaitan. Que não jogará colado à linha, mas que terá que se preocupar em escapar às pisadelas do outro Pereira. Pisadelas e não só, o rapaz tem um reportório inesgotável…
A greve geral deste dia 24, que acaba de chegar ao fim, não foi muito diferente das outras. A mesma data - 24 de Novembro – do ano passado. A mesma repetição, até à exaustão, da legitimidade do respectivo direito. Toda a gente acha que a greve é um direito indiscutível, inalienável e que tem que ser respeitado.
Toda a gente acha que a greve é um direito respeitável, mas… Pelo que se viu por aí fora há sempre um mas, toda a gente tem uma mas a acrescentar. Que, mais ou menos atabalhoado, mais ou menos engasgado, serve tão simplesmente para dizer que o direito à greve existe mas não devia existir! Tal e qual!
Verdadeira novidade foi a ausência da famosa e clássica guerra dos números. Já diz o povo: para teimar são precisos dois! Como para dançar o tango, como dizia o outro… Os sindicatos não deixaram os seus créditos por mãos alheias – as coisas também não estão para isso – e, sem abdicar do seu papel, partiram para a luta. E não fizeram a coisa por menos: mais de 90%! O governo ainda deu mostras de ir a jogo – logo pela manhã já estava de peio feito e de provocação em grande estilo a anunciar os seus 3,6% - mas, depois, o patrão Relvas deu meia volta e mandou recolher. Não entramos nessa guerra – sentenciou. E pronto, não há discussão, ninguém teima e não há guerra!
Não será certamente novidade que muita gente que achava que deveria ter feito greve tenha ido trabalhar. Como não é novidade nenhuma que a adesão à greve tenha sido grande no sector público e muito reduzida no sector privado. O que de algum modo terá suavizado os terríveis prejuízos para o país…
Se a mobilização para a greve advém das dificílimas condições de vida impostas aos portugueses – não importa se com ou sem alternativas, e nem sequer se com ou sem enquadramento no manifesto do Dr Soares – é claro que, da imensa e esmagadora maioria dos portugueses que vive os mais duros dias das suas vidas, grande parte estaria disponível para aderir à greve. Razões não lhes faltam! Muitos – muitos mesmo – não o fizeram porque não podem sequer prescindir do salário que perderiam. Outros não o fizeram por conflito de interesses. Pela consciência – particularmente no sector privado - de que o seu direito legítimo de fazer greve conflituava com o interesse da empresa que lhe garante o sustento ou - mesmo no sector público – de que o exercício desse seu direito prejudicava outros concidadãos.
É natural que a adesão se tenha concentrado no sector público. É historicamente assim. É aí que se concentram os trabalhadores – não digo os portugueses – mais penalizados e é aí, apesar de tudo e sem paradoxos, que ainda poderá residir alguma capacidade para perder um dia de salário. Vamos a ver se isto não dá mais umas ideias ao governo, acabando por descobrir que, afinal, ainda há lá mais uns trocos para sacar!
O resto são posições ideológicas. Os que são contra as greves. Porque sim! Os que as vêm como o remédio para todos os males. Ou os que as delas têm uma visão meramente instrumental. Os dos mas e até os que acham que a chinesa Dagong e a americana Fitch acabam de baixar o rating da República (mais um lixo) precisamente por causa da greve.
Há gente que não percebe que as sociedades precisam de válvulas de escape. E que, nas actuais circunstâncias, é fundamental que a mais que justificada indignação esteja institucionalmente enquadrada. Para que incidentes sem expressão - como simples actos de vandalismo em meia dúzia de locais (entre os quais algumas repartições de finanças) ou os incidentes do final do dia junto ao palácio de S. Bento – não venham abrir caminho a fenómenos de contestação difusos e inorgânicos, que facilmente degeneram em descontrolada violência social.