Carlos Moedas foi hoje ouvido no Parlamento Europeu, numa espécie de prestação de provas, na condição de comissário europeu indigitado. Provas - nesse sentido - tanto mais necessárias quanto, pela evidente falta de peso político, o parlamento desconfiava da sua preparação para a função.
Saiu-se bem, dizem. Apresentou-se como um produto do fenómeno de mobilidade social ascendente, imagem de marca da democracia europeia, o que é sempre bonito, e fez a sua mais surpreendente revelação quando disse que esteve muitas vezes em desacordo com a troika.
A surpresa - ninguém nunca deu por nada, antes pelo contrário, alinhou sempre pela ala mais dura do governo, na linha da frente da defesa da troika - deixou de ser surpresa quando se percebeu que, antes, o próprio Parlamento tinha criticado fortemente a intervenção da troika no nosso país. É sempre a mesma coisa: o que é preciso é saber dançar certinho ao som da música de cada momento. Acertar com a música...E isso aprende-se facilmente por Wall Street e pela City...
O país vibrou com as primárias do PS, disso não me parece que fiquem dúvidas. Muita gente correu a inscrever-se para votar e muita gente seguiu a par e passo a campanha, como o provam as próprias audiências dos debates televisivos.
Não sou dos que pensam que isto represente um sobressalto cívico, que o país tenha de repente saltado da cadeira – ou do sofá – e acordado para o activismo perdido. Que de repente o país se reconciliou consigo próprio, e quer intervir activamente no seu destino. Nada disso, os números ainda não dão para isso. E os partidos ainda são muito como o clube de futebol…
Mas também não acho que se possa ficar pela mera escolha de um novo líder partidário, que foi verdadeiramente a escolha de um candidato a primeiro-ministro, exista ou não essa figura.
Não sei se esta ideia das primárias veio assim tanto para ficar quanto nos vão dizendo muitos dos analistas políticos. Enquanto primárias, não me parece. Mas enquanto forma de legitimação democrática e agente da transparência e da revitalização que é necessário levar aos partidos políticos e, por essa forma, ao regime, não tenho qualquer dúvida que é muito importante que seja uma ideia para ficar. Quero com isto simplesmente dizer que não me parece que se institucionalize como ideia de primárias propriamente ditas, mas que não poderá deixar de ser a forma dos partidos escolherem as suas lideranças.
Para além do que deste processo fique para o futuro do regime, também este resultado expressivo de dois terços que António Costa alcançou, se torna no mais relevante e decisivo facto político desta parte final da legislatura.
É que ninguém no PSD pensará neste momento que Passos Coelho, com o que foi e é o governo e ainda com todos os problemas que o envolvem, e que, tantas as contradições e trapalhadas, estão longe de estar ultrapassados, tenha qualquer hipótese de ganhar as próximas eleições a António Costa. Que, há não muito tempo, sagaz, anunciou ser Rui Rio o seu adversário…
Mas Rui Rio não é apenas o adversário que o PSD tem para António Costa. É também, e acima de tudo, o líder que o PSD tem para se coligar com Costa. Quer isto dizer que o PSD percebe neste momento que só com Rui Rio garante a manutenção do poder. Contra António Costa ou com António Costa!
Creio que Passos Coelho percebe isto. E percebe que, se como António José Seguro insistir em resistir ao óbvio, poderá abrir a caixa de Pandora que afastará por muitos anos o PSD do poder. Posso estar enganado, mas não vejo como Passos possa estar a fazer outra coisa que não seja escolher a melhor forma de sair pelo seu pé…
Até parece que o Benfica anda a brincar com o fogo…
Hoje, ao contrário do que sucedera com o Moreirense na semana passada, o Benfica entrou a todo o gás, como se tivesse aprendido a lição. Dois golos, uma bola no poste, oportunidades de golo sucessivas e um domínio asfixiante em vinte minutos de luxo dão conta da forma como o Benfica entrou na partida. Nem podia ser de outra maneira, em jogo estava um momento seguramente importante do campeonato, a oportunidade que não podia ser desperdiçada de alargar, para quatro e seis pontos, a vantagem sobre os seus dois mais directos adversários!
Não se pode dizer que a partir da meia hora o Benfica tenha desaparecido, abandonado o jogo. Mas pareceu que a equipa quis partir do Estoril para Leverkursen, sem passar pelo aeroporto. Perdeu rigor e concentração e permitiu ao Estoril entrar no jogo. Depois, sabe-se como é: as circunstâncias do jogo alteram-se e quando menos se espera está tudo virado do avesso.
Ainda na primeira parte o Estoril reduziu. Percebeu-se que o Benfica reagiu bem, mas as oportunidades criadas continuaram a ser desperdiçadas. E quando, logo no início da segunda parte, empatou – num lance irregular, mas isso são circunstâncias de jogo – o cenário de repente complicou-se, até porque as coisas começavam a não sair tão bem…
Foi de novo já em superioridade numérica que o Benfica chegou à vitória, num golo que o Lima deu a ideia de ter roubado ao Derlei, depois de falhar tudo o que havia para falhar, tornando-se no maior responsável pela forma incrível como a equipa desperdiça o talento único de Gaitan.
Que pena, tantos passes mágicos e toques de génio sucessivamente desaproveitados… Devia ser crime!
Vale que, falar de talento, é também falar de Talisca...
CENTRO PORTUGUÊS para a COOPERAÇÃO – dito assim, com este nome pomposo, até parece que estamos a falar de coisa séria e respeitável, acima de qualquer suspeita. Ouvido assim, de braço dado com uma palavra de honra, parece salvo-conduto. Abre-te Sésamo, sem ladrões mas com mil e uma noites. Resolve tudo. Não se fala mais nisso…
E ninguém pergunta o que é isso. Nem para que uma empresa privada precisa de uma ONG. Nem por que os administradores de uma são os administradores da outra…
Nem para que servem tantas Fundações e ONG`s, tudo farinha do mesmo saco…
O PSD tinha ontem anunciado que o primeiro-ministro esclareceria hoje tudo e, mesmo que ainda antes do início do debate quinzenal já os jornais adiantassem que a explicação estava nas despesas de representação, a expectativa era, por isso, grande.
António José Seguro teria certamente percebido que este debate de hoje, nestas circunstâncias e nesta altura, a dois dias das eleições internas, mais que mais uma oportunidade, era uma oportunidade única caída do céu, depois dos debates televisivos com o seu opositor. Se bem que já todos saibamos do que Seguro (não) é capaz, esperava-se que a súbita capacidade de combate recentemente revelada desse agora em alguma coisa.
A Procuradoria Geral da República, provavelmente fazendo o que teria de fazer, fez o que se esperava que fizesse. Que chutasse para canto, como Passos Coelho bem sabia quando, depois de se ter refugiado na Assembleia da República, decidiu pedir-lhe a investigação.
Era este o cenário que dominava o debate quinzenal desta manhã, o último reduto que sobrou a Passos Coelho. Por escolha própria ou porque fosse a parede a que se foi encostando, mais que deixar-se encostar.
Encurralado, socorreu-se do último argumento a que agora podia lançar mão: a sua palavra de honra, que para uns pode valer muito e, para outros, nada. Antes, fazendo-a valer ainda menos, mais uma cambalhota: as despesas de representação eram ainda terreno muito movediço – como bem sabe quem dedica alguma atenção às coisas da Contabilidade e da Fiscalidade – e era preciso corrigir isso para pagamento de despesas, mesmo que ninguém lhe lembrasse que para se efectuarem despesas em serviço é preciso estar ao serviço, mesmo que a abrir portas. E que se está ao serviço de alguém de forma remunerada ou a título gratuito… E que, como ainda ontem dizia o António Lobo Xavier, poderia não se lembrar de quanto ganhara em cada um dos meses dos últimos vinte anos, mas lembrava-se perfeitamente quando trabalhara de graça…
No fim de contas, depois da estranha coisa de não se lembrar de coisa nenhuma, de, pela mão de um Secretário Geral fiel, diligente e disposto a meter os pés pelas mãos, buscar ilibação na Assembleia da República, e de procurar ganhar tempo e poeira na PGR, Passos Coelho pensa que, entre aplausos de dezenas de deputados "encarneirados", conseguiu criar a parede de fumo suficiente espesso para continuar em cena.
Esta cabia-lhe a ele, ninguém o podia substituir. Agora a máquina trata do resto!
À entrada da recta final do mandato, o governo dá mostras de uma exaustão que, se até poderia entender como normal no final de uma legislatura como esta, marcada por uma intervenção externa duríssima, que se encarregou de tornar ainda mais difícil, não deixa de causar alguma estranheza, e de revelar até alguns paradoxos.
Tanto mais que, depois da gravíssima crise da meia-idade, aquela que Paulo Portas desencadeou a meio do mandato, com a sua irreversível mas revertida demissão, do próprio governo emergiu um primeiro-ministro com algumas capacidades políticas escondidas, e até surpreendentes. E alguns sinais de insuspeitável coesão que lhe deram algum fôlego, muito reforçado por uma oposição inócua, e mesmo inexistente. Das inevitáveis derrotas eleitorais de permeio, nas autárquicas e nas europeias, não tirou a oposição quaisquer dividendos. Antes pelo contrário, como também inevitavelmente se viu no seu principal opositor!
A um governo supostamente reunificado sucederam-se dois governos: o do PSD e o do CDS. De um governo, passou-se a dois governos. Um de continuidade, mal ou bem fiel à sua estrutura ideológica e agarrado à sua matriz, e outro de rotura consigo próprio, decidido a marcar a sua actuação a partir de um marco histórico por ele próprio inventado, um tal 1640 inventado para Maio de 2014. Como rapidamente a realidade se encarregou de demonstrar essa invenção, também rapidamente o governo do CDS passou as fronteiras do ridículo, passando os seus protagonistas principais – Paulo Portas e Pires de Lima, evidentemente – a surgir frequentemente como verdadeiras caricaturas, ou mesmo autênticos cromos.
O governo ia no entanto fazendo o seu percurso, um percurso cada vez mais facilitado por um PS inoperante, e agora virado exclusivamente para si próprio, em processo autofágico. Inevitável, repito. Até que, na rentrée, surgem a abertura do ano lectivo e a do ano judicial, dois acontecimentos propícios a incidentes, e normalmente momentos quentes da governação.
O ano climático tratou de arrefecer o terceiro momento quente da governação desta altura do ano – os incêndios. O Verão não foi generoso para as férias dos portugueses, mas foi-o para o governo, poupando-o às agruras das faltas de meios e de políticas de prevenção que sempre fazem mossa. Só que, o que as condições climatéricas lhe deram, a inépcia e a incompetência de alguns ministros lhe tiraram. E logo dois dos três principais focos de incêndio que consomem os portugueses começaram a soltar labaredas de proporções gigantescas. Se na Saúde, com gente que morre à espera de intervenções cirúrgicas e greves de enfermeiros e médicos, ainda foi possível – porque mora por lá alguma competência, o que faz sempre a diferença – controlar os fogos, na Educação e na Justiça tudo está a arder sem qualquer tipo de controlo. E o país está verdadeiramente a arder, como se estivéssemos no pico de um Verão que não chegou a aparecer!
Num governo dado como arrogante e autoritário surgiram até os pedidos de desculpa. Com o Ministro da Educação, um especialista da Matemática, a pedir desculpa por fórmulas matemáticas erradas, e a Ministra da Justiça a pedir desculpa por não saber em que cítius se deixou a Justiça.
No meio disto tudo os ministros do CDS fazem-se agora de mortos, e só dão sinais de vida para falar em baixar impostos, e o primeiro-ministro faz por puxar a carroça sozinho, arranjando uns números bem preparados – o da Tecnoforma, em que levanta uma lebre para depois ser ele a caçá-la, é de mestre – para distrair o pagode!
Com o terceiro e último debate nas televisões, desta feita na RTP, fechou-se a página pricipal da campanha para as primárias do PS. Agora só falta votar, já no próximo domingo!
A televisão tem uma enormíssima influência em qualquer processo eleitoral, admito que mais nuns que noutros, mas não me parece que menos neste que noutros. Por uma razão decisiva: é que estes debates não são vistos apenas por quem vota neste processo, são vistos por esses e pelos outros, que irão votar nas legislativas que aí vêm, e provavelmente mais depressa do que se esperaria. Estes debates são tão mais decisivos nos resultados das primárias do PS quanto estas são mais primárias das próprias legislativas. Os que forem votar no próximo domingo vão votar no candidato com que mais se identifiquem, mas irão antes de tudo votar no que acharem em melhores condições para convencer o eleitorado do país, que assistiu aos debates...
António José Seguro estava convencido que ganharia com os debates. Não me parece fácil de perceber por quê, nada apontaria para que pudesse levar aí vantagem sobre Costa. Mas a verdade é que começou mesmo por levarvantagem. No primeiro debate, mais por demérito do adversário do que por mérito próprio - é hoje claro -, Seguro, com uma estratégia de grande agressividade que apanhou Costa de surpreza, ganhou em toda a linha. No segundo já não foi assim, nem um foi tão imprevidente nem outro tão ríspido e hoje, no último e no pior dos três, Costa deixou Seguro estendido no tapete, inanimado!
Seguro ainda tentou repetir a estratégia do primeiro debate, mas Costa estava preparado, e não teve dificuldade em defender-se e devolver-lhe os golpes: "Se tu tivesses tido um décimo da agressividade que tens contra mim na oposição a este governo, este governo já tinha caído". Mortal, como diria alguém que já não está entre nós!
Quando, em desespero de causa, deitou mão ao nome de Nuno Godinho de Matos que trazia preparado - tão preparado que, à falta de oportunidade, teve que começar por inventar uma insistência do moderador ("já que insiste ", quando não tinha havido insistência nenhuma) - Seguro enfiou-seu num buraco donde não mais conseguiu sair. Não tinha por onde, mas a verdade é que também não merecia outra coisa que ficar lá!