Miguel Relvas ressuscitou. Estamos de resto a atravessar um extraordinário período de Páscoa… Com a aproximação das eleições, e com o terreno bem adubado pelo efeito grego, o campo do governo tornou-se num espaço de alta fertilidade. De repente, o governo passou da Idade Média para o Renascimento. Mas sem nunca largar o obscurantismo!
Estas coisas agora fazem-se com livros. Até Relvas – “vai estudar malandro”, veja-se a ironia – ressuscita num livro. E à volta do livro – como se da gruta tumular se tratasse – reúnem-se as várias testemunhas da ressurreição, que hão-de partir mundo fora a anunciar a boa nova. Na circunstância: Relvas voltou. Está vivo e anda por aí!
O apóstolo principal não era Pedro. Nem Simão, nem Tomé. Chama-se José Manuel: José Manuel Durão Barroso, como se sabe um dos grandes responsáveis pelo inferno em que estamos metidos, mas que anda por aí como se nada tenha nada a ver com isso. Que não teve pejo em, também ele, meter as mãos – sujas, sujas até ao pescoço – no saco do adubo grego para alarvemente alimentar a revegetação do seco e árido campo do governo
E vai daí, o ex-presidente da Comissão Europeia, sem se perceber o que é que o cu tem a ver com as calças - que é como quem diz: o que o livro tem a ver com a coisa? - desata a aconselhar os portugueses a olharem para a Grécia, e a concluir que Portugal só não está na mesma situação graças à determinação do governo e de Pedro Passos Coelho. Ainda se fosse graças a Miguel Relvas… Ou ao "O outro lado da governação"…
Coitados dos gregos. Servem a esta gente para tudo. Até para que ninguém fale dos escândalos das privatizações que o Tribunal de Contas denunciou no início da semana. Até parece que não se passou nada… Até parece que em qualquer país a sério, um governo que tivesse sido acusado do que este foi, não estava já no olho da rua!
Ah! Afinal o efeito grego é mais soporífero que adubo...
Em toda a Europa, e diria que em quase todo o mundo, é enorme a preocupação com a situação grega, consciente que está toda a gente dos enormíssimos riscos que se estão a correr, quer no puro domínio da economia e das finanças, onde se está diante do desconhecido – são mares nunca antes navegados, como por aí se tem ouvido dizer – quer, muito em particular, no que à paz respeita. Na Europa, e no mundo. Onde, infelizmente, não temos pela frente mares nunca antes navegados. Antes pelo contrário, são mares que já foram navegados. Mares revoltos e tenebrosos, que a cegueira e a irresponsabilidade de alguns já ousou enfrentar. Com os piores resultados, conforme nos mostra a História, que uma leva de ignorantes de como não há memória, de uma ignorância assustadora, desconhece.
Comecei por dizer “em toda a Europa e em quase todo o mundo”. Mas tenho de corrigir para em quase toda a Europa e quase todo o mundo. Porque neste cantinho do extremo ocidental há um país que tem mais com que se preocupar. Ou melhor – e lá volto eu a ter que me corrigir – um país governado por gente que tem outro tipo de preocupações. Gente ainda mais ignorante que os ignorantes de que comecei por falar, para quem umas eleições que aí vêm são a única coisa que conta. É certo que essas mesmas eleições, e mais umas outras aqui ao lado, foram também as coisas mais importantes para os outros ignorantes de que comecei por falar. É certo que foram esses ignorantes que convenceram os nossos que isso era mesmo a única coisa que importava. Só que esses, mesmo ignorantes, têm os cinco sentidos a funcionar, e começaram a preocupar-se e logo que lhes começou a cheirar a queimado. E a verdade é que não pararam…
Não sei se vão a tempo de evitar a catástrofe, mas têm tentado e estão a tentar.
Aos nossos ignorantes é que nada chega. Nada cheiram, nada enxergam… E continuam a esfregar as mãos de contentes, convencidos de que assim se mantêm inamovíveis, agarrados ao poder de que dependem como de oxigénio.
Gritam: vejam bem os gregos nas filas das caixas Multibanco, impedidos de tocar nas suas poupanças. Só têm direito a sessenta euros… Num programa de televisão houve até um jotinha que se deve ter achado o máximo, ao dizer que enquanto os portugueses andam a tirar selfies na praia, ao sol, os gregos fazem-no nas filas do Multibanco. E a própria figura mais alto do Estado não encontrou melhor maneira de manifestar a sua despreocupação do que recorrer à aritmética para dizer que ainda sobram dezoito.
Nunca a Europa esteve nas mãos de gente tão fraquinha. Mas nunca em Portugal tão fracos reis fizeram tão fraca a forte gente!
O ziguezague nunca foi o melhor caminho para qualquer destino.
Depois da saída para o referendo, não há mais saídas. Há apenas que percorrê-la com firmeza, direitinho, sem cambalear... A nova proposta do governo grego seria um passo em frente, determinado e convicto, se fosse precedida desta curta declaração: "se o não ganhar, adiantamos desde já esta proposta ".
Sem esta eclaração prévia, a nova proposta de Tsipras não passa de um ziguezague que só torna sinuosa uma saída que tinha de ser direita.