Começou o Euro 2016. Com o anfitrião a abrir, como é da praxe. A favoritíssima França, membro do restrito grupo dos súper favoritos, com a Espanha, campeã em título, e a Alemanha, campeã mundial: três estatutos relevantes a determinarem uma condição de estatuto. Também relevante, porque a condição de favorito é sempre relevante,
No entanto a França que vimos abrir a competição não justificou essa condição de súper favorito. Para o justificar terá de evoluir muito, o que, com os jogadores de que dispõe, não tem muito de improvável.
Comentava há dias com uns amigos franceses a enorme quantidade de jogadores de talento imenso de que a França actualmente dispõe - quando se diz que Portugal dispõe hoje de um dos melhores lotes de centrocampistas do mundo, o que se terá de dizer da França? - ao que me responderam que o problema era fazer uma equipa. Percebi as dúvidas, tanto mais que se refletem sempre na selecção muitos dos problemas que marcam a sociedade francesa.
Mas este jogo não me ajudou nada a perceber isso. Não me pareceu que os 14 jogadores utilizados, à excepção dos da defesa todos do melhor que há, deixassem alguma vez de ser uma equipa. Ou de funcionar como tal. Não lutaram, nem correram menos que os adversários. Nunca deixaram de disputar qualquer bola com menos querer que os jogadores romenos.
E no entanto viram-se aflitos por ganhar por apenas 2-1 a uma selecção da Roménia vulgar, onde o nosso bem conhecido e velhinho Sapunaru, que nunca foi um craque, é dos mais dotados. E ganhou com um golo - o primeiro - irregular, que lhe deu uma vantagem que não durou mais de cinco minutos, e com outro já no fim do jogo - um grande golo, quando já ninguém esperava - em resultado da conjugação do talento do seu melhor jogador - Payet - com o esgotamento dos jogadores adversários.
Não me parece que seja sentido colectivo que falte à selecção francesa. Falta-lhe mesmo é futebol. A equipa não tem futebol para o talento dos seus jogadores. O futebol não se basta com talento, precisa também de ideias. E não tem futebol porque faltam claramente ideias a esta selecção francesa cheia, a deitar fora, de jogadores fabulosos.
Pode até tudo ser explicado por ter sido o jogo de abertura, e o próximo desmentir tudo isto. Mas esse já será outro jogo. Este deixou-me esta ideia. Se o próximo deixar claro que a selecção francesa tem futebol para ganhar este europeu, é outra coisa.
Todos nos lembramos da revelação dos chamados Panama papers. Da autêntica “bomba” que foi anunciada, com o detonador nas mãos de dois jornalistas – um do Expresso, outro da TVI – rapidamente alcandorados à condição de heróis nacionais. Ou de vedetas, como facilmente acontece.
Lembramo-nos como foram denunciados nomes da cena internacional, como surgiram os primeiros tímidos e mal amanhados desmentidos. Como, em poucos dias, o primeiro-ministro da Islândia – mais uma vez na Islândia – foi obrigado a demitir-se. Lembramo-nos que foi logo anunciado que, só à nossa conta, havia 240 nomes para denunciar, entre políticos, empresários e jornalistas. E lembramo-nos ainda que ficamos logo com a ideia que aquilo daria pano para mangas nas mãos do Expresso. Que iria fazer render o peixe, libertando nomes ao sabor das tiragens: a conta-gotas.
Três nomes na primeira semana, todos empresários, dois dos quais feitos comendadores pelo regime. Que logo negaram tudo, contra todas as evidências. Na semana seguinte, mais três nomes. De novo empresários. E de novo igualmente dois vultos da cidadania, feitos comendadores das mais distintas ordens. E na seguinte, à terceira, a torneira entupiu e não deixou cair mais uma gota que fosse. Nem Expresso, nem TVI, se importaram mais com o assunto. Em apenas três semanas uma lista com 240 nomes – de políticos, empresários e jornalistas – era encurtada para apenas seis. Sem políticos, e sem jornalistas. Só com comendadores!
Não sabemos, evidentemente, se a divulgação parou por aqui por ordem dos comendadores, se por ordem dos que entregam as comendas. Custa-nos acreditar que se tenha anunciado políticos e jornalistas por decisão comercial. Não nos custa nada acreditar que a torneira se tenha fechado por decisão editorial. Porque as coisas são o que são. Mas também o que parece que são!
E o que parece, e o que é, é que, nas off-shores, não se toca nem com uma flor. É que dá muito jeito que os impostos continuem a ser pagos pelos mesmos. Que nunca podem fugir.
Perdeu-se uma enorme oportunidade de fechar uma das maiores portas franqueadas à corrupção. Sobrepuseram-se deliberadamente, e mais uma vez, os ilegítimos interesses de alguns – poucos – aos legítimos interesses colectivos. Deu-se mais um golpe na democracia e no Estado de Direito. Lamentavelmente pela mão daquele que é tido pelo mais institucional dos órgãos de comunicação social em Portugal.
Ainda no intervalo - a segunda parte irá iniciar-se daqui a pouco, em Paris - pode já dizer-se que este 10 de Junho foi muito menos bafiento que de costume. O dia foi mais de Portugal que do regime, como Cavaco fazia dele...
Com um presidente sem teias de aranha, com um discurso desempoeirado, sem recados nem mensagens estranhas, sem necessidade de intérprete, adequado às circunstâncias. E às comemorações. À volta deste povo, sempre lá, no centro do discurso, como no centro da História.
Sem infindáveis filas de gente cinzenta do regime a oferecer o peito à condecoração. E sem chiliques!