Esconder as palavras
Ninguém poderia esperar que os representantes máximos do Estado condenassem a escandalosa contratação de Durão Barroso pelo Goldman Sachs. Tinham razões para o fazer, mas sabíamos que não o fariam.
Podiam ter dito que não ajuda nada a União Europeia - nunca ajudaria mas, nas actuais circunstâncias, pior ainda - esta porta directa para a alta finança mundial que põe e dispõe deste planeta. Que é o expoente máximo da promiscuidade entre poder financeiro e o poder político. Ou, numa dimensão mais doméstica, lembrarem que há um contencioso de muitos milhões entre Portugal (através do Banco de Portugal, no quadro da resolução do BES) e o Goldman Sachs, que tinha já motivado a contratação de José Luís Arnaut, por sinal o mais indefectível dos barrosistas.
Podiam ter dito isto e muito mais. Mas não disseram!
É certo que o lacónico o voto de felicidades de António Costa não escondeu o que a sua expressão facial dizia, mas nem sempre o gesto é tudo. Faltaram as palavras. Faltaram palavras que certamente o primeiro-ministro teria encontrado, se as tivesse procurado.
Palavras que o Presidente Marcelo encontrou, o que não surpreende - esse nem precisa de as procurar, parece que são elas que o procuram a si. Que também não esconderam, elas próprias, o evidente incómodo do Presidente da República.
Ambos têm consciência da gravidade do acto de Durão Barroso. Ambos, na realidade, o condenam. Mas ambos fugiram à responsabilidade de o dizer. António Costa atrás da expressão facial, e Marcelo Rebelo de Sousa atrás das palavras que encontrou: "Isso já não compete ao Presidente da República avaliar."
Compete. Compete, sim. Mais do que de "gostar de ver portugueses reconhecidos em lugar cimeiros" - todos gostamos, não somos invejosos. O que não gostamos é de ver este português reconhecido naquele lugar cimeiro. E não gostamos que o Presidente da República compare este topo com os da ciência, da cultura e das artes. Porque este é um topo envenenado!