Coisas parvas*
A silly season está aí. Entrou a toda a velocidade e não parece disposta a dar tréguas. E faz as delícias dos media, e das redes sociais em particular. Em boa verdade, sem jornais, televisões e, agora, facebook, não há silly season. As coisas parvas – a melhor tradução deste anglicismo é capaz de ser mesmo “a época das coisas parvas” – precisam disso. Se não tiverem amplificação mediática pura e simplesmente não existem… Por si, não têm qualquer capacidade de sobrevivência.
Entrou a todo o vapor com a história do IMI, com gás dado pelo sol e pelas vistas. Ou tirado pelos cemitérios ou pelas estações de tratamento de esgotos. Deu para tudo, com as coisas mais parvas a desafiarem o potencial da mais parva imaginação deixada à solta.
Prosseguiu com os juízes, na teimosa guerra dos colégios privados. Com o que decidira assim, porque tinha a filha no colégio em causa. E logo a seguir com a que decidira assado, porque tinha trabalhado com o actual primeiro-ministro. E logo as televisões se encheram com imagens da senhora a discursar no congresso do PS. Sem que nenhuma referisse, nem ao de leve, que à época a senhora não era juíza.
Ainda tudo isto fervia em pouca água, sem precisar dos 100 graus centígrados, e já o primeiro-ministro devolvia o cheque que o Presidente da República tinha enviado para o Ministério da Defesa, para pagar a sua deslocação a França, no Falcon, para assistir ao jogo das meias finais da selecção nacional, no europeu, há três ou quatro semanas.
E porque o tema era cheque, europeu e jogos da selecção em França, ficou a saber-se que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais entendeu que resolveria o seu caso com a Galp enviando-lhe também um cheque, para pagar as duas viagens a França, para assistir a outros tantos jogos da selecção nacional.
As contas que cada um terá feito para chegar aos valores a inscrever no cantinho superior direito do dito não são de nossa conta. Não seria coisa parva. Simples curiosidade, que às vezes também é parva…
Coisa parva, mas parva a sério, tinha-a feito Fernando Rocha Andrade, assim se chama o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ao "encarar com naturalidade, e dentro da adequação social, a aceitação deste tipo de convite, no caso, um convite de um patrocinador da Selecção para assistir a um jogo da Selecção Nacional de Futebol”.
É natural que as empresas destinem este tipo de convites a clientes. E a stakeholders. Não pode ser natural que um governante ache natural ser convidado por uma empresa. Menos ainda se essa empresa tiver um conflito de 100 milhões de euros com o Estado.
E achar que, pegando num cheque e enviando-o à empresa tudo fica resolvido, só é coisa ainda mais parva!
* Da minha crónica de hoje na Cister FM