Um mundo perdido por muros*
Há pouco mais de um quarto de século a Europa festejou o derrube do muro que chamava da vergonha. Pensava-se então que caíra o último muro que a dividia e com ele o medo. O medo das perseguições, o medo de fugir, o medo da guerra sempre eminente… O medo de novos muros…
Sabemos hoje que, com o muro, caíram muitas coisas. Mas que também se levantaram muitas outras, algumas delas tão ou mais assustadoras do que as que caíram. Estaríamos porém longe de admitir que, depois de caírem fronteiras, seria possível voltar a levantar muros.
Mas eles aí estão, grandes e altos. Intransponíveis. E para ficar…
Primeiro foi a Hungria a anunciar a construção do seu muro, tapando-a da Sérvia. Não ligamos muito, era apenas mais uma extravagância de Viktor Orban, o xenófobo fascista a quem a Europa tudo admite e tudo tolera.
Mas a Áustria, em processo de crescente radicalização extremista onde a xenofobia medra todos os dias, não quis ficar atrás. E anunciou também o seu muro, precisamente na fronteira com a Hungria, de Orban.
Agora é o Reino Unido, que depois de se decidir pelo abandono da União Europeia, acaba de anunciar a construção do seu muro, a fechar a sua única porta de entrada e de saída para o continente, em Calais. A "Grande Muralha de Calais", como já lhe chama a comunicação social britânica vai começar a ser construído ainda este mês e visa impedir o acesso pelo Canal da Mancha.
Depois de se levantarem muros onde antes se derrubaram fronteiras, talvez fizesse mais sentido fecharem o túnel da Mancha. Mas não faz: os ingleses não querem fechar as portas aos seus camiões para a Europa. Querem apenas fechá-las è emigração. E isso faz-se com muros como, do outro lado do Atlântico, proclama Donald Trump, outro produto dos ventos dominantes no tempo que faz. Que faz deste um mundo perdido. Completamente perdido. Por muros. No meio de muros...
* Da minha crónica de hoje na Cister FM