Uma questão de distância. E de tempo...*
O filme foi rodado em 1972 e passou em Portugal logo a seguir ao 25 de Abril – antes era impossível. Foi classificado de drama erótico, mas também poderia ter sido classificado de outra forma. Passou por todo o mundo, e por onde passou, não passou despercebido. Refiro-me ao “Último tango em Paris”, de Bertolluci, que provavelmente pouco dirá aos mais jovens. Já os das gerações mais próximas da minha guardam certamente na memória todos os pormenores.
E em especial as cenas que o trouxeram de novo para o topo da polémica, 44 anos depois: as de uma penetração anal, em ambiente de violação, interpretada por Marlon Brando, então com 48 anos, e a bela Maria Schneider, com apenas 19, em que a personagem masculina recorre a um pacote de manteiga como lubrificante.
Os tempos eram outros, e a humilhação feminina que objectivamente integrava não provocou na altura grande polémica. A própria actriz, falecida em 2011, só muitos anos depois, em 2007, já com 55 anos, se manifestaria humilhada pela cena e revelaria que ela não constava do guião e que ninguém, nem o realizador nem o actor, lhe teriam falado de nada daquilo.
A verdade é que nem essa revelação da actriz, em 2007, saltou para as primeiras páginas dos jornais. Meia dúzia de anos mais tarde, em 2013, e já com ambos os actores desaparecidos (Marlon Brando falecera em 2004), Bertolluci, numa entrevista curiosamente só agora conhecida, confirmaria expressamente a canalhice: "Eu não queria que Maria interpretasse a raiva e a humilhação. Queria que ela as sentisse". Palavras que hoje chocam o mundo, e que trazem o filme de volta para a boca de cena da polémica. Só que agora por razões substancialmente diferentes, o que, para os mais distraídos, mostra bem a distância que as mentalidades percorreram nestes 40 anos. Mesmo que a questão deva ser se 40 anos não terá sido tempo de mais para cumprir essa distância...
* Da minha crónica de hoje na Cister FM