A questão à volta do ensino privado agitou o país durante toda a semana passada – havia já invadido a campanha eleitoral, mais com o objectivo de apanhar a boleia mediática do que qualquer outro –, com acções de rua que colocariam o assunto no topo da agenda mediática.
Não é, no entanto, sobre a justeza das posições em confronto, nem sequer sobre as formas de protesto encontradas, que me vou pronunciar. Tudo isso é, evidentemente, importante. Como importante será o debate em torno da que é talvez a mais antiga parceria público-privada (PPP) do regime!
O que me surpreende e cativa neste tema é a falta de objectividade na abordagem. Não vejo qualquer abordagem que não esteja ferida de enquadramento ideológico.
Reconhecendo a forma como a esquerda e a direita se entrincheiram neste conflito – numa altura em que se saúda a recuperação do debate ideológico, que durante algum tempo parecia esbatido – é a direita que, nesta questão, me surge mais claramente no papel de refém. Refém de uma ideologia ou refém de interesses? Pois, essa é a minha dúvida!
A esquerda entende que o Estado se deve limitar a financiar o ensino privado nas circunstâncias em que não esteja em condições de assegurar o ensino público: ou seja, quando existam populações que não estejam cobertas pela rede pública de ensino. Parece-me uma ideia razoável! Não sei se tem grande carga ideológica e é alheia a interesses!
Entende que o Estado não pode cortar no financiamento da escola pública para financiar escolas privadas que promovem a distinção social e um conjunto de actividades extra curriculares normalmente tidas por elitistas. Pois, aí já vejo pura demagogia: essas actividades têm outro financiamento, não é o que está em causa. Não é nem poderia ser o Estado a pagar isso…
A direita entende que o Estado, ao reduzir o financiamento ao ensino privado, está a limitar a liberdade de escolha. Não tem nada a ver uma coisa com a outra! Nem parece argumento muito sério. Quem pode escolher escolhe na mesma. Quem não pode … não tem escolha. É a vida… É como na saúde: pode-se escolher o médico no sistema privado – pagando, é claro!
Entende que empurra os pobres para fora do ensino privado que, assim, fica exclusivamente ao alcance dos mais ricos. E daí? Mas também todos os pobres têm acesso a este tipo de ensino?
São preocupações de fraca sustentação ideológica: desde logo porque representam um inequívoco apelo ao Estado. Quem reclama menos Estado não pode agora pedir mais Estado.
E chama a este ensino privado uma forma de ensino público, ou a forma mais eficaz do ensino público. Até poderá ser que sim. Mas ao Estado compete é fazer na escola pública um ensino público eficaz… Não é fazer isso no ensino privado!
Se não encontro aqui uma sustentação ideológica tão óbvia terei que admitir que esta seja a posição da direita em razão dos interesses. Que a direita esteja refém de interesses nesta matéria!
Matéria em que a religião – leia-se Igreja Católica – consegue como ninguém traçar a bissectriz entre ideologia e interesses!
O CDS apresentou esta semana uma proposta dita de regulação dos vencimentos no sector público.
O princípio, se bem percebi, resumia-se em dois pontos:
i) O vencimento de qualquer cargo do sector público estaria limitado ao do titular do órgão nomeador;
ii) Nenhum cargo poderia ter um vencimento acima do do Presidente da República.
Parecia claro e simples: quem nomeia sabe qual o seu vencimento, logo… Sem nenhuma dúvida, ninguém poderia ganhar mais que Presidente do República!
Logo no dia seguinte surgia uma notícia a que não foi atribuída importância nenhuma: Cavaco Silva optou por manter as suas duas reformas e recusar o vencimento de Presidente da República!
Não é o que está em causa mas, evidentemente, o novo/velho Presidente apenas exerceu esta opção porque, só agora – depois de todos os pacotes de austeridade –, os titulares de cargos públicos são obrigados a abdicar da acumulação dos múltiplos vencimentos que açambarcavam. Agora já só podem acumular pensões: pensões como as do Banco de Portugal – uma das que agora ajudam Cavaco a sustentar a sua pobre mulher – com pensões como as do exercício das múltiplas funções políticas – deputado, autarca, coordenador de uma coisa qualquer – cujo direito, como todos sabemos, foi adquirido após toda uma vida de trabalho, como a da senhora que agora, coitada, vive à custa do marido. Depois de uma vida inteira a trabalhar aquém e além-mar!
Às vezes bastou ser nomeado para, automaticamente, se adquirir o direito a uma pensão, mas não é disso que estamos a falar. Como diria a outra, isso agora não interessa para nada!
Voltando ao ponto: Cavaco estilhaçou a proposta do CDS!
Como é que o vencimento do Presidente da República pode servir de tecto se é logo o próprio a ganhar mais que ele?
É que Cavaco, e com toda a naturalidade – está mais que provado que sabe fazer contas, ou não fosse ele Professor de Economia – escolheu a fatia maior. Já que a tanto foi obrigado, escolheu ganhar mais que o Presidente da República!
Agora estão a ver: como é que a proposta do CDS pode chegar a algum lado quando é logo o Presidente da República a ganhar mais que o Presidente da República?
Corte de cabelo. Corte e costura. O corte do fato, que não é a mesma coisa do corte na casaca. Se não somos grandes cabeleireiros, por muito que isso custe à imprensa cor-de-rosa, já no corte e costura é diferente: vão surgindo alguns estilistas que começam a dar nas vistas nesse dito exigente mundo da moda. Não é que eu perceba alguma coisa da matéria, mas é o que vou ouvindo! Mas bons, bons a sério, somo-lo nessa outra especialidade do corte na casaca. Raramente cortamos a direito mas, quando se trata de corte na casaca, cortamos a torto e a direito…. Sem dó nem piedade!
O corte que hoje temos pela frente é no entanto outro. É o do futebolês, também conhecido por intercepção. Que, embora parecido, não é a mesma coisa de desarme que, por sua vez, nada tem a ver com despojar de arma. Desarmar o adversário não é retirar-lhe a arma: apenas retirar-lhe a bola que, ao contrário da cantiga, nunca conseguiu ser uma arma. Esteve quase: numa famosa final da Taça de Portugal, em 1969, entre o Benfica e a Académica!
Pode retirar-se a bola ao adversário através do desarme – quando um opositor a leva bem coladinha ao pé, quando a transporta, sabe-se lá com que intenções – ou quando se interrompe a sua trajectória de uma viagem com ponto de partida num qualquer jogador do adversário. Apesar de o resultado ser o mesmo, o desarme, também conhecido por roubo de bola, nunca será um corte!
Há jogadores especializados nestas tarefas tidas como destruidoras. Já aqui falamos deles e do peso com que têm que arcar toda a vida – até houve quem lhes chamasse carregadores de piano, numa metáfora que contrapõe estas tarefas menos nobres à arte superior do pianista – sempre na sombra das luzes da ribalta projectadas sobre os artistas, aqueles a quem os deuses (e os treinadores…) destinam o brilho próprio das verdadeiras estrelas.
Mas há outros que conseguem dar a volta às ingratas funções que lhes são destinadas. Há os que investidos de funções destruidoras logo encontram artes (e quantas vezes manhas) de fugir ao destino da penumbra. Destroem, sim senhor! Mas tanto são autênticas armas de destruição massiva como logo a seguir se viram para o piano e executam, logo ali, o mais belo improviso ("o futebol, se fosse música, seria jazz"- já o diz Luís de Freitas Lobo, citando não sei quem) capaz de deslumbrar o mais adormecido dos nossos sentimentos!
Lembramo-nos de alguns destes seres raros. Lembramo-nos, os mais velhos, de Beckenbauer! E lembramo-nos, quando pensamos nesta metamorfose súbita do destruidor no mais fantástico construtor, de David Luiz. Sim, desse que está para ir embora! Ou pensavam que, se não fosse para falar disso, me tinha dado a todo este trabalho?
Perdeu uns anos com a estapafúrdia ideia de fazer de um central de elite um vulgar lateral esquerdo. Foi Quique Flores quem usou e abusou desse crime/pecado! Mas também Jorge Jesus, com quem se apresentaria ao mundo, teve algumas tentações. Sempre mal sucedidas porque, agora, o menino tinha já decidido não dar mais para aquele peditório.
Atingiu o Olimpo com a estreia na maior montra do futebol mundial. Que, ao contrário do que muito boa gente possa pensar, não é a Champions mas a selecção do Brasil! E o seu destino ficou traçado para bem longe da Luz…
Recusaram-se as ofertas do defeso passado: era a cláusula de rescisão! A aposta era evidente, mas o equívoco também: uma boa campanha na Champions ajudaria a que as ofertas se aproximassem da dita!
A campanha europeia foi uma lástima, o arranque interno ainda pior, e a única coisa que aumentou foi a diferença para a dita cláusula de rescisão. Também aqui vale a lógica do momento: vão-se os anéis e fiquemos com os dedos!
Despediu-se anteontem de nós, no jogo dos quartos de final da taça de Portugal com o Rio Ave. Uma despedida a deixar-nos já cheios de saudades, com deliciosos solos de piano. Quis transformar um dos muitos penalties num encore, para se despedir com um golo: falhou, como mais outros dois haviam falhado. Mas aquele penalti da glória falhado assim, daquela maneira, com o corpo todo inclinado para trás enquanto a bola seguia para as nuvens, deixa-nos a imagem de um David Luiz há muito no Chelsea.
Dizem que as negociações com o Chelsea falharam. Nada muda. Se falharam essas outras serão retomadas. E concluídas até ao fim da próxima segunda-feira. Com quem quer que seja, mesmo com o mesmíssimo Chelsea!
É nestas alturas, quando ela nos cheira de perto, quando se nos morrem, que sentimos a necessidade de acreditar que a morte não é um fim. Nesta altura, como em nenhuma outra antes, sinto-me penalizado por não ser crente. Gostava de poder acreditar que nada acabou, apenas aconteceu uma mudança de estadio, um upgrade da vida para a eternidade.
Que a minha mãe lá estava, a recebê-lo num abraço de doze anos de saudade, e a enchê-lo de beijinhos. Os beijinhos que incessantemente pedia nos últimos dias, e que nós lhe não podíamos dar, estava agora a recebê-los de quem mais importava que lhos desse.
Como seria bom crer nisso. Como seria reconfortante...
Há doze anos, quando a minha mãe partiu, não senti isto. Tinham sido longos meses de sofrimento atroz. Para ela, mas também para nós, a seu lado. Na altura aquele fim era o fim definitivo daquele sofrimento, que ela tanto pedia.
"Que Deus me leve, filho, eu não suporto mais". Também o meu pai o pedia frequentemente nos últimos tempos. Que já tinha vivido o suficiente, e que queria partir. Mas eu sempre senti que esse não seria esse o seu sentimento, que era apenas o seu modo de ser. Poderia estar errado, mas sempre senti que, pelo contrário, ele queria viver e temia a morte em vez de a desejar. E brincava com ele com isso. Às vezes ria-se...
Tinha boas condições de saúde, apesar dos seus 90 anos. Apesar de agarrado a uma cadeira de rodas há já uns bons pares de anos, e das dores na coluna e na anca. As sucessivas vagas da pandemia iam-lhe passando ao lado. Até chegar a altura de ser vacinado. Ia ser vacinado na semana em que acusou positivo!
Ontem, ao fim da tarde, recebi uma chamada do médico de família do meu pai.
- Como está o Sr Albino? - perguntou.
- Não está bem, está infectado com Covid - respondi.
- Pois eu sei. Por isso é que lhe estou a perguntar como está.
- Vi-o ontem pela janela da enfermaria, estava com oxigénio, mas pareceu-me estável e relativamente tranquilo. Falou comigo e com a minha irmã, nós falamos com ele, ouviu-nos perfeitamente e no fim despedimo-nos.
- Quando é que fez o teste?
- Fez ontem duas semanas!
- 15 dias, então - concluiu. Está curado, 90% das pessoas estão curadas depois desse tempo.
Achei isto estranho. Um indivíduo que não é tido por dever muito à simpatia, e que não é exactamente reconhecido por grande ligação aos doentes, estava a ligar-me para saber do estado de saúde do meu pai. Mas quis pensar que as pessoas nem sempre são o que delas se diz, e que o facto de sermos conhecidos poderia ter pesado na deferência. Que lhe agradeci, surpreendido, mas sem lhe dar grande crédito.
Esta manhã, pelas 9 horas, recebi uma chamada da Unidade de Saúde Pública do Oeste (não sei se a designação é mesmo esta, se não for é qualquer coisa do género):
- É familiar do Sr Albino Louro?
- Sim, sou filho!
- É para lhe dizer que o seu pai está curado!
Era a notícia que eu mais queria ouvir. Feliz, desliguei o telefone e liguei à minha irmã e às minhas filhas para lhes dar a boa nova, enquanto o meu pensamento voava para a chamada do final do dia de ontem. Afinal a opinião a que não tinha dado grande crédito estava certa, o tipo sabia o que estava a dizer.
Ao final da manhã recebi uma nova chamada, agora da Unidade de Saúde Pública de Alcobaça, a perguntarem pelo meu pai. Respondi: o meu pai está curado!
- Pois, é isso que temos aqui nos sistema, mas isso sobrepõe-se à informação que temos que está positivo - respondeu-me a senhora com a maior simpatia, e com evidente preocupação.
Trocamos mais algumas palavras, percebemos ambos que o registo "curado" não tinha qualquer sustentação. E a senhora enfermeira prometeu-me que iria investigar e que, tão rapidamente quanto lhe fosse possível, me daria conta do que teria passado.
Entretanto vinham-me chegando notícias do meu pai. Que estava mal, muito mal. Que poderia ser uma questão de horas, dificilmente de dias. Ao fim da tarde a senhora enfermeira, como prometido, ligou-me:
- O registo foi feito pelo médico de família do seu pai!
Disse-lhe que o meu pai estava a morrer. Deu-me os sentimentos, e pediu desculpa por tamanha monstruosidade. De que não tinha culpa nenhuma.
Desliguei o telefone, que voltou a tocar de imediato - o meu pai tinha acabado de falecer!
À dor e à angústia de perder o meu pai, juntou-se uma revolta como nunca tinha sentido. Quando médicos sofrem e lutam até à exaustão, para salvar vidas ou simplesmente para ajudar na morte, há um deles, indigno de ser um deles, que veste uma bata branca e coloca um estetoscópio ao pescoço para se limitar a ser um burocrata que coloca carimbos num papel qualquer, ou faz registos numa qualquer plataforma.
Sem o mínimo de humanidade, sem ponta de pudor, sem sombra de respeito pelo outro, e com irresponsabilidade máxima. Afinal este energúmeno que se diz médico não teve comigo qualquer acto de deferência. Limitou-se a usar-me para facilmente encontrar uma pista para a informação que ele devia profissionalmente procurar para fazer um palpite e cumprir assim a sua tarefa de reles burocrata.
Há gente que não se sabe como foi aproveitada para gente. Já nem digo para médico. Isso é com a Ordem dos Médicos. Ou com todos nós...
A demagogia e o populismo são os mais perigosos vírus para a democracia, sabemos disso e estamos hoje confrontados as evidências disso mesmo.
São vírus poderosos e sempre em mutação, adoptando novas variantes. Há estirpes que muitas vezes até se confundem com o antídoto. Não há vacina contra este vírus e, se houvesse, desconfio muito que a classe política se disponibilizasse para a inoculação.
As prioridades da vacinação contra a covid são um bom exemplo da forma como essas estirpes afectam os nossos decisores políticos. Numa democracia sã e madura, segura, não envergonhada e sem fantasmas, o Presidente da República seria naturalmente a primeira pessoa a ser vacinada, mesmo simbolicamente. E depois o primeiro-ministro, e depois os restantes ministros, estamos a falar de duas dezenas de pessoas, não muito mais.
Por cedência à demagogia e ao populismo os mais altos cargos dos órgãos de soberania em Portugal ficaram fora da lista inicial de prioridades da vacinação. Um mês depois, com o governo com quase tantos infectados como o Benfica, e com o Presidente da República a protagonizar uma história de falso positivo como no Sporting, o governo decide dar prioridade a todos os titulares de órgãos de soberania.
Ou todos, ou ninguém. Ou há moralidade, ou comem todos. Não há uns mais iguais que outros.
Isto não é evidentemente bom senso. É tão só uma nova cedência à demagogia e ao populismo que em si mesma é demagógica e populista, e que, evidentemente, vem aumentar em espiral novas estirpes do vírus cada vez mais difíceis de identificar.
É o que se passa com os deputados que se apressaram a recusar a vacina. Já não sabemos que estão simplesmente a usar o seu bom senso, e a evidenciar a insensatez da decisão, ou se estão a entrar com os dois pés na espiral de demagogia que têm à frente.
Por questões de fundos Sócrates anda aí pelo mundo fora a oferecer tudo e mais uma botas. Esperemos que seja contido - coisa que, como bem sabemos, não lhe é fácil!
Pensávamos que as bolsas dos nossos credores não tinham fundo. Que aquilo eram verdadeiros poços (de dinheiro) sem fundo! E, ainda por cima, barato! Daí que gastássemos cada vez mais, cavando buracos cada vez mais fundo.
Até eles começarem a perceber que dificilmente voltariam a ver a cor do dinheiro. Desse dinheiro sumido nesses buracos sem fundo! E deixaram de querer continuar a emprestar-nos, pelo menos com boa-vontade.
Deixaram-nos à beira de um ataque de nervos, desesperadamente à procura de fundos para um novo buraco sem fundo: agora a própria dívida! Fundos que – não, obrigado! – recusamos aceitar de dois Fundos: do Monetário Internacional e do de Estabilização Europeu!
À espera de uma luz no fundo do túnel – que é como quem diz, à espera das eleições na Alemanha e que, depois delas, a Srª Merkel (sem tarefa fácil, agora que os alemães começam a perceber que já se podem voltar a virar para a sua História, de que tiveram de andar décadas a fugir, e, quem sabe, vingar a subalternidade que lhe quiseram destinar no concerto europeu) possa então pensar em resolver algumas coisas da União – ao governo, agora, pouco mais restaria que esperar. Esperar que os mercados financeiros parem um bocadinho para respirar fundo. E para olhar para outro lado!
O problema é que não dá para esperar: nem pela luz lá ao fundo! Tem que se arranjar fundos praticamente todos os dias. E a única forma de fugir ao pedido de ajuda àqueles dois Fundos indesejados é procurar fundos noutros Fundos: os Fundos Soberanos de gente menos recomendável. Porque – à excepção da Noruega – são os únicos que têm fundos!
Percebemos que a China já deu uma mão. E que estará interessada no porto de Sines e num ou noutro banco. Pelo menos para já: para as primeiras impressões!
E percebemos que, na viagem da passada semana ao Golfo, supostamente destinada a desenvolver oportunidades de negócio para aquela região, a questão de fundo não foi essa. A questão de fundo foi captar os fundos dos Fundos Soberanos do Qatar e do Abu Dhabi. E deu ainda para perceber que as contrapartidas entram a fundo nas próximas privatizações: EDP, TAP, GALP, CTT…
Mais uma questão de fundo levantada por esta questão dos Fundos: a economia portuguesa precisa de crescer e só o pode fazer através das exportações; o governo parte mundo fora para dar uma mãozinha. Mas, logo que pisa terra, ainda no aeroporto, troca os objectivos. E em vez de lhes vender produtos e serviços, os tais bens transaccionáveis que alguns portugueses ainda vão conseguindo produzir com muita qualidade e capacidade competitiva, vende-lhe empresas. Não dessas empresas que, à custa do empenho e capacidade de empresários e trabalhadores, produzem bens que competem no mercado mundial. Mas das outras, das que operam em regime de absurda protecção, em autêntico monopólio, que vivem de bens e serviços essenciais à comunidade. Que nós cidadãos, sem alternativa, pagamos aos preços que eles que se limitam a impor. E que, por isso, dão os lucros que quiserem…
Sem ir ao fundo da questão, esta é a questão de fundo nestas questões dos fundos!
Estávamos preparados para uma certa condescendência para com a exibição do Benfica nesta recepção ao Nacional, que não aceitara adiar o jogo, ao contrário do que, em condições que nada tinham a ver com as que o Benfica atravessa, com mais de uma equipa de jogadores impedidos por covid, tinha já aceitado, como fora o caso do jogo com o Guimarães, na altura com seis jogadores do plantel impedidos pelas mesmas razões. Condescendência com a equipa, que não com a estrutura, que pura e simplesmente assiste, impávida, a tudo o que se está a passar neste momento do futebol nacional.
Mas até essa condescendência com a equipa desapareceu de repente. A equipa entrou no jogo a dizer-nos que não era preciso, que não havia razões para termos pena. Nem receios.
Atacou o jogo como se nada se estivesse a passar. Como se não tivesse que estar a jogar com o terceiro guarda-redes, nem sem qualquer titular na defesa. A equipa movimentava-se e jogava bem. Jogadores antes apagados, como Chiquinho, brilhavam nas alturas. Logo aos sete minutos chegou ao golo, numa fantástica jogada de futebol, concluído com classe justamente por Chiquinho.
Seria anulado. Por 17 centímetros de fora de jogo do João Ferreira, no início da jogada, disseram eles. Nada que abalasse a equipa, e cinco ou seis minutos depois, lá estava Chiquinho de novo, agora de cabeça. E agora a valer.
O futebol que a equipa apresentava era de boa qualidade, e grande movimentação, competitivo e pressionante. Trazia até à memória aqueles 10-0 da última visita da equipa madeirense. Saltava no entanto à vista um problema: em toda aquela avalanche de futebol não havia avançados. Eram os médios e os laterais que alimentavam aquele turbilhão. Seferovic e Darwin andavam lá, mas não estavam lá. Nada daquilo passava por eles.
Ora, com aquela equipa de recurso, jogar com nove, era impossível. Percebia-se isso já quando as coisas ainda estavam a correr bem. Confirmou-se logo que se esgotou o primeiro quarto de hora. Com uma excepção ou outra, esta época o Benfica tem jogado apenas uma parte do jogo. A primeira, numas vezes, a segunda noutras. Hoje também jogou apenas uma, só que foi a primeira terça parte da primeira.
O descalabro começou mesmo quando foi preciso chamar os avançados ao jogo. Não seguraram uma bola, perdiam-na de imediato. Um problema técnico básico - recepção. Logo a seguir, veio o do passe. Recepção e passe, as chaves mestras do futebol, começaram a falhar e nunca mais foram reparadas.
Foi assim até ao fim do jogo. Logo no arranque da segunda parte o Nacional empatou, na sequência de ... um canto. Pois claro. O costume.
Faltava jogar quase toda a segunda parte, mas percebia-se que só mais um milagre evitaria nova escorregadela. Esteve para acontecer por duas vezes, mas não aconteceu. Primeiro, pouco depois do golo do empate, num penalti, mais um, que árbitro e VAR não quiseram assinalar. Sim, um penalti a favor do Benfica neste campeonato é um verdadeiro milagre. Em quinze jogos ainda não aconteceu nenhum. E depois, já na parte final do jogo, quando Taarabt furou por ali dentro e deu o golo a Seferovic. Mas aí eram precisos dois milagres. O internacional marroquino conseguiu o de bater a defesa do Nacional. Era preciso ainda outro para que Seferovic, que mais pareceu sempre um defesa adversário que um avançado, hoje, no dia em que passam 17 anos sobre a morte de Feher, e 79 sobre o nascimento de Eusébio, fizesse um golo. E dois era de mais!
É certo que o árbitro Rui Costa usou sempre de critérios diferentes para assinalar e punir as faltas, e que de penaltis estamos conversados. Isso conta. Pesa, mas não justifica a forma como a equipa entregou o jogo e o resultado. Nem o desaparecimento da famosa estrutura quando a equipa mais precisa dela.
O país votou, contra tudo - pandemia, condições climatéricas - mas não contra todos. Não votou em massa, e a abstenção atingiu até um novo recorde, agora nos 60.5%, mesmo assim aquém do que seria de esperar. Não vale a pena especular com a abstenção técnica, mesmo que não se possa deixar de ter em atenção que o considerável aumento da mortalidade no último ano a deva ter feito subir. Vale a pena lembrar que havia mais milhão e meio de inscritos fora do país e, acima de tudo, e que com a pandemia, com mau tempo, com uma vitória antecipadamente garantida, e numa reeleição, poderia ter sido pior.
Marcelo Rebelo de Sousa ganhou, como se sabia que ganharia. Mas ganhou mais claramente do que se admitia que ganhasse. Aumentou a sua votação, teve mais volos que na eleição para o primeiro mandato e, se não atingiu o recorde que se dizia que perseguia, também não ficou lá muito longe.
Ganhou de tal maneira que houve derrotas para todos os gostos. Só que, é histórico, nas noites eleitorais em Portugal ninguém perde. Ganham todos. E desta vez até ganhou quem não foi a eleições. Como Rui Rio e Francisco Rodrigo dos Santos, que não percebem o que lhes está a acontecer.
Na tão aguardada disputa do segundo lugar Ana Gomes ganhou a Ventura. Se o que o homem diz fosse para levar a sério, hoje abandonaria a liderança do seu partido. Como todos sabemos qual é o valor da sua palavra, e das linhas com que se coze, tirou da cartola o coelho que se sabia que tiraria. Não tem outro, e já está gasto, mesmo com tão pouco tempo.
É insubstituível. Afinal é um enviado de Deus ...
Inegável é que chegou ao dois dígitos, com quase 12% dos votos, e alterou profundamente o espaço eleitoral da direita Pouco importa donde vêm esses votos, virão de diversas origens. Umas supostamente identificáveis na expressão eleitoral em distritos como Setúbal, Évora ou Beja. Outras nas de Bragança, Vila Real ou Guarda. Importa é que existem, que estão aí.
E não são um problema para o PSD, cada vez mais emagrecido, e para o CDS, que já desapareceu. São um problema para o país. E para o regime, que PS e PSD, em vez de cuidar, foram deixando esgotar.
Percebeu-se isso nos discursos que encerraram a noite eleitoral. No discurso oportunista e grosseiro, mas apoteótico, de Ventura; e no discurso de Estado, mas preocupado e até resignado, do presidente reeleito.
O ponto final nas presidenciais veio cheio de reticências...
A maioria de uma parte, de menos de metade, dos portugueses reelegeu, como se sabia e conforme sempre aconteceu com os seus antecessores em democracia, Cavaco Silva.
A maioria, uma maioria cada vez mais clara, dos portugueses deixou de se interessar por estas coisas. Não é exactamente uma novidade, mas é uma realidade cada vez mais preocupante!
O resultado de Cavaco nem é a vitória esmagadora que alguns esperavam – nunca o poderia ser, mesmo que fosse bastante mais expressiva, face aos números da abstenção que não surpreendem ninguém – nem exactamente um flop que lhe belisque qualquer legitimidade!
O resultado de Manuel Alegre também não é surpreendente: o seu passado mais recente, os mixed feelings da anacrónica coligação partidária de suporte da candidatura e o seu desempenho em campanha não legitimavam aspirações mais ambiciosas.
Surpreendentes, ou pelo menos de surpresa relativa, são os resultados mais identificáveis com o voto de protesto – as candidaturas de José Manuel Coelho e de Fernando Nobre!
O atípico candidato madeirense, com um resultado nacional acima dos 4%, mas com mais de 37% na Madeira (ai se isto fosse transponível para as eleições regionais…), representa não o anedotário com que facilmente se poderia rotular, mas o puro protesto. Parece-me que nas próximas legislativas poderá até chegar ao parlamento. O que, a suceder e ao contrário do que se possa esperar, não é lisonjeiro para o sistema!
O resultado de Fernando Nobre, acima dos 14%, tem, na minha modesta opinião, um significado muito importante. Manifestei-me aqui como um dos muitos decepcionados com a sua candidatura, uma decepção que provinha do cruzamento da enorme esperança numa candidatura vinda de fora do sistema, da mais despretensiosa e genuína cidadania, com o desencanto de uma campanha absolutamente frustrante.
Não acredito que a maioria dos portugueses que decide não ir votar o faça apenas por comodismo e por desinteresse. Acredito que isso se aplique a uma boa parte deles, em resultado da vil tristeza em que a nossa democracia caiu. Mas não tenho grandes dúvidas que a outra boa parte o faz porque não se reconhece em qualquer projecto político do cardápio que lhe é apresentado e, mais ainda, porque não reconhece credibilidade a nenhum dos protagonistas que lhe aparecem à frente!
Este resultado de Fernando Nobre abre uma janela de esperança: se com uma campanha já de si fraca e ainda escandalosamente "esquecida" pelos media, e com um candidato que, ao contrário do que muitos esperavam, não soube (ou não pôde) fazer o melhor para potenciar as raízes de uma candidatura civil desta natureza, se chegou até aqui, onde é que não chegaria noutras condições?
Pois é! Este resultado de Fernando Nobre pode levar-nos a admitir que é possível recuperar muita dessa gente que já desistiu de acreditar e, com eles, começar mudar a face deste país. Começando logo por demonstrar que não há fatalidades. Que não é fatal que tenhamos de nos resignar àquilo que, sem alternativa, nos impingem!