MISÉRIAS
Convidada: Clarisse Louro *
Vamos assistindo incrédulos ao espectáculo degradante que se desenrola aos nossos olhos: serviços secretos que supostamente se devem dedicar à protecção interna e externa do país servem, afinal, para a bisbilhotice, para espiar cidadãos ao serviço nem se sabe de quê, para investigar pessoas e negócios ao serviço de interesses privados; altos responsáveis que, no exercício de funções públicas vitais para a soberania nacional, preparam meticulosamente a sua transferência para empresas privadas, fazendo disso o seu único desígnio. Que, depois em funções privadas, continuam a dispor dos serviços que comandavam a seu bel-prazer, dando-lhe ordens como se a cadeia hierárquica se mantivesse intacta. Ordens religiosamente cumpridas, numa inquebrável e obscura teia de interesses. Teias de interesses que atravessam os partidos do arco do poder, passando de uns para outros como se fossem apenas um mesmo. Iguais nas práticas, nos interesses, nas motivações e até nas pessoas!
No meio de tudo isto organizações secretas e clientelares e duas ou três personagens centrais, mas apenas isso: centrais. Para além delas estão muitas outras e, mais que as personagens, o estado de miséria generalizada em que agonizam as instituições do Estado.
Um empresário que contrata um director dos serviços secretos do Estado para utilizar a informação, o poder, os meios e as influências que lhe vêm das funções especiais que ocupa. O mesmo director dos serviços secretos que não revela quaisquer escrúpulos e a quem nenhuns limites nem reservas são impostos. Que se comporta como dono do poder, de um poder que foi construindo em cima de informação e de informações, e cimentado em relações insinuantes que alimentam mais informação. Que ainda não foi jogada, mas que o virá a ser, destapando mais misérias. Que enterrarão ainda mais quem já esbraceja no pantanal, para onde outros mais serão arrastados!
E um ministro que não resiste a este caldo fatal feito de informação e de meios, de influências e do seu tráfico, de intriga e de poder que não conhece limites. Que não resiste a dar passos maiores que a perna, não percebendo que mais curta que a sua fica a perna da mentira. Atrás da qual anda a correr, já sem penas para a agarrar…
Mentira que o primeiro-ministro disse não tolerar mas da qual – a contragosto, quero acreditar – se não conseguiu demarcar. Porque também ele acaba por ser mais um exemplo do funcionamento em rede, de uma teia que mina a sociedade portuguesa e que produz reféns a cada esquina.
O Presidente da República, que lá de longe reclamara transparência, afirmou no passado fim-de-semana ter sido informado de todos os detalhes por “quem tem competência” e que “não tem razões para duvidar que os interesses nacionais estão a ser tidos em conta”. Que “o primeiro-ministro deu explicações na Assembleia da República prestou os esclarecimentos que considerou necessários…”
Não me tranquiliza. Mas também já não é de agora…Há muito que perdeu essa capacidade!
* Publicado hoje no Jornal de Leiria