Futebolês #47 Máquina de calcular
Por Eduardo Louro
Ora aqui está uma expressão capaz de surpreender: máquina de calcular ou calculadora, um verdadeiro sinónimo. Claro que para o futebolês a calculadora não é a mesma coisa que na linguagem comum. Não é aquela coisa agora diabolizada e responsável pela ignorância matemática das nossas crianças que, no seu imenso sentido prático, entenderam simplesmente que, se havia máquinas que resolviam os problemas tão depressa e tão bem, para quê estarem a maçar-se e a gastar energias a decorar coisas tão aborrecidas como a tabuada?
Confesso que acho que quem pensa assim tem razão. Tudo se resume a uma questão de prioridades e … de pragmatismo! Não é seguramente por deixarem de saber cantar a tabuada, simplesmente cantada, de letra estranha e música monocórdica e pobre, que as crianças deixaram de saber matemática. Se isso aconteceu, se deixaram de saber matemática – o que não tenho como adquirido – será por outra razões. As mesmas que, no final das contas, permitiriam aprender a tabuada sem recurso àquela cantilena!
Mas, e retomando o fio à meada, a máquina de calcular comporta uma inequívoca alusão à matemática: fazer contas! Fala-se em máquina de calcular quando, depois de sucessivos desaires, a esperança em atingir os objectivos fixados se reduz a um verdadeiro lugar comum do futebolês: “enquanto for matematicamente possível”!
Acontece com aquelas equipas tipo cigarra, que não querem ser formiguinhas, ou mesmo com aquelas tipo lebre, que só acordam quando vêm a tartaruga já em cima da meta. Não fazem o seu trabalho a tempo e horas, desperdiçam pontos atrás de pontos e … começam a fazer contas. Umas contas invariavelmente curiosas. A maior curiosidade é o seu ponto de partida, verdadeiramente atípico: uma premissa insólita que passa pela expectativa do êxito total no futuro absolutamente contrariada pela realidade histórica do passado recente. A lógica que lhe está subjacente é fantástica: os que perderam jogos atrás de jogos passarão a ganhá-los todos daí para a frente e os que até aí os ganharam todos, uns atrás dos outros, irão passar a perdê-los todos, ou perto disso.
Nós, os portugueses, somos muito dados à matemática. Mas só a esta! Gostamos muito de fazer contas, seja com a selecção seja com o nosso clube do coração, muito na tradição sebastianista que nos marca. Da mesma forma que esperamos que há-de sempre vir alguém para nos resolver os problemas, aqueles que em tempo oportuno não soubemos ou não quisemos ultrapassar – vejam bem que agora, para muitos de nós, até o FMI já nos servia para resolver esta trapalhada em que estamos metidos – também achamos que, através de uma qualquer varinha mágica, é possível inverter todo um trajecto de desempenho.
Este percurso de expectativas, é também ele, curioso. As coisas não estão a correr bem, percebe-se onde aquilo vai parar, mas não há problema: dependemos apenas de nós próprios! As coisas não mudam: deixa de se depender de si próprio e começa a fazer-se contas. De calculadora em punho especula-se sobre as mais disparatadas hipóteses, as tais que garantam o matematicamente possível!
É o que se passa neste momento com o Benfica. Na Liga interna, por força daquele arranque inacreditável, continua a não depender de si próprio, apesar de dentro do matematicamente possível. Ainda estamos longe do fim e, por isso, é cedo para pegar na máquina de calcular!
Na Champions, a três jogos do final desta fase de grupos, é já de máquina de calcular em punho que se conclui que só muito remotamente depende de si própria.
O Benfica da época passada não precisava de usar máquina, desconfio que tenha feito um trabalho diferente e que até tenha aprendido a tabuada. Deslumbrava enquanto este, desiludindo, transforma a época passada num mero ponto de chegada, em vez do ponto de partida que os benfiquistas desejavam!
Tenho uma teoria sobre esta metamorfose, mas fica para outra vez!