Futebolês #48 Hat trick
Por Eduardo Louro
É o futebolês a regressar aos anglicismos. Sendo a Velha Albion a pátria do futebol não admira que o futebolês de quando em vez entre por esse caminho e vá beber à fonte.
Parece-me que nem sequer lhe fica mal, não vejo nisso qualquer volúpia elitista! Revejo ali a mesma matriz popular do futebol, ao contrário de outros dialectos. Do economês – outra das linguagens em que também dou uns toques –, por exemplo, que tem nos anglicismos a sua imagem de marca. Enfim, embora não pareça – o que mais vemos por aí é discutir economia exactamente como se discute futebol – economia não é futebol!
Pois bem, um hat trick não é nada do outro mundo. Comparado, por exemplo, com o stock options do economês (ouvi hoje mesmo uma a que achei imensa graça: defining moment!), explica-se em duas palavrinhas que toda a gente percebe: três golos!
Não custa nada a explicar. Custa é a fazer: três golos num só jogo não é para todos! Nem para todos os dias!
Quando alguém, algum jogador naturalmente, se cruza com um desses dias está encontrada a tarde ou a noite perfeita. Se isso acontece num jogo importante e de grande visibilidade então estarão irremediavelmente abertas as portas da glória.
Se o hat trick tem toda esta magia imagine-se o póquer. Que tem a particularidade de já não ser um anglicismo mas um termo bem português. Adaptado e bem aceite no regaço da língua portuguesa que o futebolês não enjeitou!
Este póquer não é esse jogo que agora está na moda, que está a cativar multidões, incluindo algumas estrelas do futebol. Póquer, em futebolês, é marcar quatro golos – quatro – num só jogo! É a glória apenas ao alcance dos predestinados na tarde ou na noite mais que perfeita!
Para se ter uma noção da dimensão do póquer bastará ver que o nosso CR7 apenas conseguiu por uma vez: foi no passado fim-de-semana, quatro golos nos 6 a 1 do Real Madrid frente ao Racing de Santander!
Foi preciso conjugarem-se uma série de variáveis para que a nossa maior estrela alcançasse o seu primeiro póquer. Antes de tudo a sua grande forma com a grande forma da equipa, ou a mão de … Mourinho.
E aí está a dupla portuguesa de maior sucesso mundial: Mourinho e Cristiano Ronaldo, agora juntos numa das mais notáveis instituições mundiais – o Real Madrid! Ambos esta semana indigitados para os prémios de melhor do mundo, que não deverá fugir a Mourinho mas que, graças à falta de liderança e de ambição de Carlos Queirós na errática campanha da África do Sul, deverá fugir ao CR7.
Uma dupla de sucesso que é apenas um exemplo de muitos outros portugueses de alto mérito espalhados por todo o mundo, que nos permitem fazer muitos golos – alguns hat tricks e mesmo um ou outro póquer – no desafio que nos está lançado e que temos que ganhar.
Portugal sempre teve um problema de dirigismo e de lideranças. Não é novidade nem tão pouco um problema sectorial. É um problema transversal na sociedade portuguesa. No futebol temos dirigentes que permitem que o Cristiano Ronaldo veja o prémio de melhor do mundo voar para alguém aqui ao lado. Que se arrastam há anos, sempre os mesmos, a desperdiçar o enorme talento de gerações dos nossos melhores jogadores. Na vida política é o que sabemos e o que constatamos todos os dias: uma casta dirigente instalada, virada para o seu umbigo, impreparada e incapaz, que afasta e empurra os novos valores, para se alimentar de sucessivas fornadas de pseudo quadros criados, à sua imagem e semelhança, nas juventudes partidárias. Na actividade económica, sempre muito dependente e à sombra do Estado, a maioria da classe dirigente vive em regime de pura promiscuidade com a classe política. A mesma gente e as mesmas regras, restando aos novos valores sair do país e colocar o seu conhecimento ao serviço de outros.
Da mesma forma que para as estruturas do futebol se vai já falando em nomes que ainda há pouco tempo passeavam a sua classe pelos relvados europeus, também para a nossa política, e para a nossa economia, é preciso que se comece a falar dos muitos jovens que espalham talento por esse mundo fora.