Há 10 anos
Talvez uma boa maneira de assinalar mais um aniversário do 25 de Novembro seja homenagear Ramalho Eanes. Já o inverso é mais discutível, homenagear Ramalho Eanes para comemorar o 25 de Novembro poderá não ser uma grande ideia.
Eanes é, indiscutivelmente, uma das principais figuras da História da democracia. Mais, na minha opinião, por ter estado à hora certa no sítio certo do que por qualquer outro motivo. A História é assim mesmo, e quando é feita de sucessivas enxurradas de acontecimentos, incontrolados e incontroláveis como aconteceu em Portugal, é pródiga em heróis mais ou menos acidentais.
Do 25 de Abril ao 25 de Novembro e daí à Presidência da República foi uma enxurrada. Os 10 anos de Presidência não fogem muito disso, ou não tivesse sido eleito pela direita e reeleito pela esquerda. E apesar disso, e do elevado grau de dificuldade dos dois mandatos, em especial do primeiro, foram cumpridos quase que em regime de serviços mínimos, a coberto de um ar esfíngico tornado cortina impenetrável. Para além da esfinge nada se via, nada se percebia…
Não me esqueço da sensação estranha que me provocou a entrevista de despedida de Belém, nos primeiros dias de 1986, nas vésperas da passagem do testemunho a Mário Soares. Não me recordo de muitos pormenores, nem sequer do entrevistador, mas tenho tão presente como se fosse hoje aquela minha sensação de incredibilidade: mas foi esta personagem que ocupou o lugar mais alto do Estado durante dez anos? Como foi possível esconder tanto vazio durante tanto tempo?
Nessa altura, se bem nos lembramos, já tinha inspirado um partido político que se tornara, de imediato, na terceira força política e na grande pedrada no charco da política portuguesa. Ouvi-o hoje comentar as indefinições e indecisões que marcaram (e mataram) o PRD com a linear explicação de que não tinha condições para liderar um partido político. Não tinha de facto, como bem tínhamos percebido naquela entrevista em que, pela primeira vez, deixara cair a cortina por de trás da esfinge…
Ramalho Eanes percebeu isso ainda a tempo de aproveitar em pleno a sua condição de ex-presidente para se valorizar. E a verdade é que ganhou a substância que não tinha, e conquistou como ex-presidente a relevância nacional que não tivera como presidente. Que hoje gere com a mesma eficácia com que no passado geriu a sua esfinge de presidente. Mas sem cortina!