DEBATE POLÍTICO EM TEMPO DE FÉRIAS
Por Eduardo Louro
A sucessão da liderança do Bloco de Esquerda não só tem animado o debate político - também ele de férias – como tomou mesmo conta dele. Talvez por isso – porque não gosta de ficar para trás, apesar da tese, velha e esfarrapada mas sempre actual, de que a sua sobrevivência política depende sempre da criação de inimigos externos – o Alberto João tenha sentido a necessidade de se intrometer, com um referendo que não o é nem pode ser. Por sorte sua, digo eu!
Bem trabalhadinha a pergunta a referendar, e lançado um verdadeiro referendo nacional, provavelmente arranjaria lenha para se aquecer!
Deixo por isso de férias a fuga para a frente – que não o leva a lado nenhum - de Jardim e trago ao activo a sucessão no Bloco.
Goste-se ou não, é indiscutível que Louçã é dos políticos mais influentes da vida política nacional da última década, pelo menos. Que é dos mais bem preparados e dos melhores tribunos, também não oferece grandes dúvidas. Tem defeitos. Obviamente que sim. Quem os não tem? E quando se fala de políticos…
Resvala facilmente para algum populismo e, ironicamente, é na popularidade que encontra o seu maior handicap. Não chega facilmente ao povo, não se sente muito à vontade no contacto com as massas e não consegue transmitir aquela carga de afectividade indispensável a qualquer político que aspire ao poder.
Tão indiscutível quanto a sua influência, a sua preparação e a sua capacidade oratória, é a sua inteligência. Creio que todos o reconhecerão!
É precisamente em nome desse reconhecimento que mais terá custado a entender a sua exposição ao maior dos pecados de um líder, em democracia, bem entendido: intervir activamente e condicionar a sua própria sucessão. Que abriu o debate e a discussão pública, levando-os para fronteiras bem mais vastas que as da mera sucessão num pequeno partido.
Não creio, ao contrário do que muita gente diz, que Louçã esteja a revelar qualquer costela estalinista – que, de resto, sempre rejeitou – ou alguns genes mais avessos à democracia. Também não me parece que a sua indicação no sentido de uma liderança bicéfala – Catarina Mendes e João Semedo, ao que se diz – tenha alguma coisa a ver com uma estratégia de dividir para reinar, de disseminar o poder para o manter informalmente. Resta então uma terceira via – há sempre uma terceira via – que muitos defendem: com esta indicação pretende apenas proteger o partido. Evitar que se reacendam as lutas internas tendo como protagonistas as forças políticas que estão na génese da sua fundação, e em especial a UDP, de Luís Fazenda, actual líder parlamentar.
Tendo a validar esta tese. Mas, validar esta tese, significaria que Louçã tem consciência que nem tudo correu bem nesta história de sucesso. Significaria que, em quase vinte bem sucedidos anos, o Bloco foi capaz de se afirmar para o exterior mas incapaz de o fazer internamente. Que não foi capaz de conviver com as diferenças e de esbater os pontos de partida. E que os muitos quadros – e muitos de grande valia – que já nasceram no partido, ou que o partido entretanto angariou, são reféns da nomenclatura fundadora.
Não seria isto que estava na cabeça de Miguel Portas quando, logo em cima do desaire eleitoral do ano passado, propunha o abandono dos fundadores do partido. Estou certo que ele conhecia bem os novos valores do Bloco, e que acreditava que eles têm todas as condições para romper quer com a história quer com a estratégia do partido.
Rompimento que passa fundamentalmente pela radical alteração do posicionamento de poder: ser um partido de contrapoder ou um partido com vocação de poder. Ser um partido capaz de abrangências, consensos e de pontes, ou manter-se como partido de protesto!
É isto que está em causa nesta passagem de testemunho. É isto que terá de ser clarificado para garantir a sobrevivência do partido. E isto só poderá ser feito através de um grande debate interno mobilizado pelos candidatos à liderança. Nunca o será através de qualquer solução de mera continuidade, seja ela monocéfala, bicéfala, ou tricéfala!
Creio que Louçã teria cumprido o seu papel se, em vez de pretender tapar o sol com a peneira - com a tal solução do século XXI -, se retirasse deixando esse debate bem aberto.