FUTEBOLÊS#130 JOGADOR ADAPTADO
Por Eduardo Louro
Creio que nunca se falou tanto em adaptação como nos últimos tempos, a propósito de jogadores adaptados.
A adaptação é um processo de convergência com uma nova realidade, de ajustamento físico e mental a um novo meio envolvente. Todos nós, perante uma mudança das condições que nos envolvem, entramos em processos de adaptação. Se mudamos de emprego, temos certamente um processo de adaptação pela frente. Se mudamos de casa não podemos fugir à adaptação a um novo local, a novos vizinhos e até a novas rotinas.
Depois desses múltiplos processos de adaptação passamos a estar adaptados. Adaptados ao novo emprego, à nova casa, aos novos vizinhos…
Os jogadores de futebol também passam por processos de mudança deste tipo, e até com uma frequência bem superior à dos comuns mortais que não fazem de uma bola forma de vida. A mobilidade profissional de um jogador – como de qualquer outro profissional – de futebol é incomparavelmente superior à de qualquer outra actividade.
E no entanto, em futebolês, um jogador adaptado não é um jogador que acabou de passar por um processo de adaptação a um novo clube, a um novo treinador ou a novos colegas. Um jogador adaptado é tão simplesmente um jogador reconvertido. Um jogador de meio campo adaptado a defesa central, um defesa central adaptado a lateral ou um defesa central adaptado a trinco ou a pivô defensivo. Mas o que está mesmo na moda é adaptar alas a defesas laterais!
Estas adaptações resultam de circunstâncias muito diversas. Umas vezes de uma simples coincidência, ou de um acaso, outras de insuficiências de planeamento, outras ainda de insuperáveis dificuldades financeiras que obrigam quem não tem cão a caçar com gato e, finalmente, outras de razões que ninguém consegue entender. E, quando assim é, chamamos-lhe teimosia!
Basta lembrarmo-nos do que Vítor Pereira fez na época passada com o Maicon a lateral direito. Ninguém percebeu. Só podia ser teimosia…
Mas é o Benfica o campeão das adaptações. Sem recuar muito no tempo – e para não ir à mais extraordinária (no sentido de rara, mas também de invulgar eficácia) que me vem à memória quando, há 40 anos atrás, Hagan transformou um dos mais velozes extremos direitos de sempre, Nené, num ponta de lança que, sem sujar os calções, andou mais de uma década a marcar golos de toda a maneira e feitio – lembramo-nos do Miguel, que o Chalana, do dia para a noite, pegando num ala direito mediano, transformou num lateral direito do melhor que chegou a haver por esse mundo fora. E, no Benfica, é Jorge Jesus o mestre das adaptações!
Tudo começou com Coentrão, um rapaz que jogava lá à frente, quando jogava. Porque na maioria das vezes não jogava. Andava mesmo perdido, de Saragoça para Vila do Conde, sem se adaptar nem servir em lado nenhum. De repente, sem lateral esquerdo – uma velha maldição deixada no Benfica, não por Bella Gutman, mas por Lello, esse brasileiro que era uma espécie de Maxi (também ele adaptado, ainda antes da era Jesus) da esquerda e que partiu sem ninguém perceber porquê – o mestre da táctica lança-o a lateral esquerdo. Foi um sucesso e rendeu logo 30 milhões de euros, que o Jorge Jesus transformou num crédito pessoal inesgotável. Ao ponto de nunca mais querer outra vida que fazer adaptações!
Desatou a comprar avançados, à dúzia, só para ter motivo para os adaptar às outras posições de que, assim, com aquela política de aquisições, a equipa ficava carenciada. O mais badalado foi Melgarejo, ou a Melga para facilitar as coisas, um jovem avançado com inegáveis potencialidades que Jesus teimou fazer lateral esquerdo. Nesta altura do campeonato já dá para ver que ainda não conseguiu fazer dele um lateral esquerdo. Mas já conseguiu fazer dele um jogador medíocre, que nada acrescenta à equipa: aquela ala esquerda, com Nolito e Melga, é verdadeiramente assustadora!
Com a inesperada partida de Witsel e Javi Garcia o Jesus esfregou as mãos: aí estavam mais duas oportunidades para o seu dedo milagroso. Matic iria fazer de Javi Garcia, numa adaptação esperada mas, para poder ir mais além, decidiu esquecer-se que Carlos Martins existe e adaptar o ainda inadaptado Enzo Perez a Witsel.