Ziguezagues
Concluídas as cerimónias fúnebres de José Saramago, não há como deixar de notar a ausência do Presidente da República.
Não é que seja indesculpável. Indesculpáveis são as desculpas que apresentou: que não era amigo pessoal do único prémio Nobel da literatura de língua portuguesa, a quem não conhecia pessoalmente, e que tinha compromissos familiares, estes um curto período de férias nos Açores que teria prometido à família. Isto é que, mais que indesculpável, é cínico!
Não vale sequer a pena estar a procurar argumentos que fundamentem a obrigação da presença do Presidente da República, por minimalista que fosse essa participação, no funeral de José Saramago.
Obviamente que quando o país decreta o luto nacional, promulgado pelo Presidente da República, a sua presença nas cerimónias fúnebres nada tem a ver com as relações pessoais entre o titular do cargo mais alto magistrado da nação e o defunto. Como é evidentemente óbvio que, sendo essa a obrigação do Presidente, não é aceitável que a descarte por meras circunstâncias de interesse pessoal, como um fim-de-semana de férias na” lindíssima ilha de S. Miguel”.
O que Cavaco quis fazer, e aqui refiro-me ao cidadão, por acaso e ao que tudo indica, recandidato nas próximas presidenciais, na sua condição de Presidente da República, foi compensar o seu acto de promulgação do chamado casamento gay. O que Cavaco quis foi acalmar os movimentos à direita que, na sequência daquele erro imperdoável, procuram desenfreadamente um candidato em que se revejam.
O que Cavaco fez foi prosseguir o seu caminho ziguezagueante em direcção à reeleição. Com tanto ziguezague é muito provável que se perca: que se perca de si próprio (de tanto se negar, como aqui referia há duas ou três semanas) e que se perca daquilo que tem sido o destino de todos os seus antecessores.
Este, de resto, um medo que o tem perseguido ao longo destes últimos quatro anos, de que nunca se conseguiu libertar!