ACONTECIMENTO DO ANO
Por Eduardo Louro
Por esta altura é costume puxar a memória atrás, a 1 de Janeiro, deixá-la correr ao longo do ano e escolher. Escolher os mais do ano. Em qualquer coisa, ou em tudo e mais alguma coisa…
Vou também aqui fazer esse exercício. Mas numa versão minimalista, apenas numa única categoria: acontecimento nacional do ano!
Para mim o acontecimento nacional do ano é um não acontecimento. É o que acabou por acontecer por não ter acontecido o que era suposto acontecer!
Refiro-me ao facto de o governo ter resistido - intacto – todo o ano. O governo não caiu, nem sequer foi remodelado. E isso, há uns meses, era impensável!
Ninguém admitiria que o governo resistisse aos sucessivos casos Relvas: secretas, Público, RTP, ERC…. licenciatura, mentir no Parlamento… Aos pequenos e sucessivos episódios de abuso de poder. Mas também à quarentena a que se sujeitou - tipo hibernação, à espera que o mau tempo passasse – mantendo-se afastado (protegido) do governo, como se não existisse!
Sabia-se – ou foi se sabendo - que Relvas era apenas uma face da moeda que do outro lado tem Passos Coelho. O que não se adivinharia era que o primeiro-ministro conseguisse convencer o seu chefe - Vítor Gaspar – que Relvas era indispensável para as suas privatizações!
Ninguém admitiria que o Álvaro resistisse à sua estratégia do pastel de nata. Ele que até foi o primeiro a sentir os apertões da rua… Mas, pé ante pé, lá se foi aguentando e ganhando imprensa. Ao ponto de já nem a sua estratégia terceiro-mundista de desenvolvimento industrial, provavelmente encorajada pela política ambiental do seu Canadá - que acabara de mandar às ortigas o protocolo de Quioto - e que lhe valeria uma pequena guerra com a colega Assunção Cristas, lhe ter afectado a cotação. Em alta!
Poucos admitiriam que falhadas todas as previsões económicas, e com todos os objectivos orçamentais rapidamente transformados nas mais extravagantes miragens, o governo se pudesse aguentar. Que, batidos todos os recordes de desemprego, com o país entregue a um dos mais violentos ritmos de empobrecimento de que há memória, um governo que não podia sair à rua, suportado por uma coligação em permanente rotura e sempre em rota colisão, pudesse resistir.
Poucos admitiriam que depois daquele dia 7 de Setembro, depois do que o país inteiro disse ao mundo em 15 de Setembro, o governo chegasse ao fim do ano.
E no entanto resistiu. Sem uma baixa!
A situação do país e dos portugueses continuou a agravar-se todos os dias. Mas a do governo não. Relvas voltou a fazer negócios – mesmo que o último lhe não tenha corrido bem – e à sua condição de picareta falante, sem o mínimo de reserva, decoro e vergonha. E até Passos Coelho, em vez de fugir pelas traseiras como vinha sendo hábito, já atravessa a rua para se dirigir aos que protestam (bem sei que até pode ser encenação, mas o resultado é o mesmo)!
Todos os acontecimentos têm protagonistas. Este tem dois: Cavaco Silva, o senhor que ocupa o Palácio de Belém sem que se saiba exactamente para quê, e Seguro, o senhor de quem se diz que é líder da oposição. Foram eles que fizeram este acontecimento...
O drama, deste e dos próximos anos, é que não há coincidências. Não é mera coincidência que a maior crise, o pior governo, o pior presidente e a pior oposição se tenham encontrado ao mesmo tempo, no mesmo local!