ANO NOVO ... EXPECTATIVAS VELHAS
Convidada: Clarisse Louro *
A mensagem de Ano Novo do Presidente da República tornou-se no mais aplaudido dos seus discursos dos últimos anos. O estado do país, e os resultados da sua própria popularidade – a mais baixa de sempre de um presidente da república – obrigavam-no ao esforço…
Foi apimentada pela notícia do envio do Orçamento para o Tribunal Constitucional, para fiscalização sucessiva. Pouco mais que uma pitada de picante na incontornável questão da constitucionalidade, agora, depois de passar ao lado da fiscalização preventiva, praticamente inevitável. Mas o essencial daquilo que o presidente da república se sentiu obrigado a incluir na sua mensagem está na denúncia daquilo que todos os portugueses já perceberam: a espiral recessiva em que o governo lançou o país e o ciclo vicioso da austeridade.
Do Presidente habituamo-nos a ouvir que avisara. Não fazia nem dizia nada, mas vinha sempre dizer que bem avisara. Sempre vinha dizer que tinha alertado para todas estas desgraças que não têm parado de nos castigar, se bem que ninguém, depois, se lembrasse de quando nem como. Pensava ele que lhe seria reconhecido algum mérito por esses avisos, esquecendo-se que lhe não era apenas exigido que avisasse – tendo-o feito ou não. Exigia-se-lhe que evitasse – que interviesse de forma a evitar que acontecesse o que supostamente avisava vir aí. Percebeu isso, e desta vez já não veio dizer que avisou.
Poderá dizer-se que o passo não foi grande. O que agora veio reconhecer e denunciar já há muito foi reconhecido e denunciado por quase toda a gente. Há muito que muitos dizem que o país está lançado numa espiral recessiva criada pelo ciclo vicioso da austeridade. E, depois da constatação da execução orçamental do ano que agora acabou, todos o constataram.
Disse, tarde e a más horas, o que já todos sabíamos. E sem daí tirar quaisquer consequências!
Porque as eleições ocorreram há apenas ano e meio, e porque o programa da troika está legitimado por 90% dos deputados eleitos, rejeita qualquer ideia de antecipar eleições. Porque diz rejeitar qualquer cenário de crise política, exclui qualquer tipo de iniciativa em termos de alternativa de governo.
Quer dizer, Presidente da República vem dizer-nos que o governo fez asneira mas que tudo se resolve com um puxão de orelhas. O presidente, que está obrigado a cumprir e fazer cumprir a Constituição, pretende que achemos que o governo que sucessivamente lhe entrega para promulgação orçamentos de cuja constitucionalidade duvida, passará a governar em estrito respeito pela lei geral do país. Que o governo que erra todas as previsões económicas passa a acertá-las. Que o governo que falha todas as execuções orçamentais passa a cumprir todos os objectivos que estabelece no orçamento. Que o governo que esgotou o mercado interno, lançando na falência milhares de empresas e no desemprego centenas de milhar de pessoas, passa de repente a encontrar medidas de desenvolvimento e crescimento económico!
As expectativas que este Presidente da República suscita são tão baixas que bastou-lhe dizer o óbvio, o que já todos constataram e perceberam, e deixar tudo na mesma, para que chovessem aplausos de todos os lados.
* Publicado hoje no Jornal de Leiria