TEMA DA SEMANA # 10 - REFORMA DO ESTADO
Por Eduardo Louro
Por linhas tortas, o Relatório do FMI que veio a público na semana passada – de que o Aventar, em mais um serviço público da blogosfera e num notável espírito de cidadania, já disponibiliza a tradução portuguesa – veio definitivamente abrir a discussão sobre as funções do Estado e aquilo a que correntemente se chama Estado Social. Por linhas tortas porque este Relatório tem tudo, incluindo a sua génese, menos essa intenção!
Creio que a grande maioria dos portugueses tem a perfeita consciência da necessidade de reavaliar e reformar as funções do Estado. Transformar esta consciência individual em consciência nacional e estabelecer consensos na sociedade portuguesa a este respeito era o desafio que se colocava ao governo de Portugal nesta altura.
Mas o governo, este governo, está a falhá-lo, como tem falhado todos os outros. E ao falhar este desafio o governo transforma-se no maior inimigo da reforma do Estado e na principal força de bloqueio àquilo que diz pretender levar a cabo, bem diferente daquilo que efectivamente pretende.
Identificaria duas ordens de razões para este falhanço do governo: o tempo, no sentido da oportunidade, e o conceito.
É claro para toda a gente que o governo entrou no tema por força do determinismo da aritmética. Quando, feitas as contas, percebeu que havia 4 mil milhões de euros a cortar na coluna das despesas do orçamento porque, na das receitas, já nada mais podia fazer. Foi por força desta realidade e não para reformar o que quer que fosse. E pior, depois de dois anos de cortes nos salários e de assalto fiscal aos portugueses. E, pior ainda, nem assim atingindo qualquer das metas orçamentais apresentadas como autênticos desígnios nacionais!
Em vez de lançar mãos a esta tarefa logo após a tomada de posse – como se impunha a um primeiro-ministro que declarara conhecer bem todos os problemas do país e estar preparado para governar – o governo pegou-lhe apenas em último o recurso. Quando já tudo falhara!
A despesa – entrando agora no domínio do conceito, a segunda das duas ordens de razões – distribui-se pelas várias funções do Estado (sociais – que determinam o Estado Social – justiça, segurança, defesa, etc.) mas também pela sua própria sustentação. O Estado gasta dinheiro a prestar serviços aos cidadãos mas também gasta dinheiro em consumos próprios, muitos deles exagerados, como todos percepcionamos. Onde estão chamadas gorduras, que têm a particularidade de variar conforme a perspectiva donde se olham: o que era massa gorda quando o primeiro-ministro estava na oposição passou à mais sólida massa muscular logo que chegou ao governo. E gasta dinheiro em juros, muito dinheiro: 8 mil milhões de euros, tanto quanto na mais sensível das funções sociais: na saúde!
Há ainda que acrescentar a esta visão global do funcionamento e da despesa do Estado uma perspectiva de gestão. Há recursos a administrar, controlos a efectuar e decisões a tomar, seja no funcionamento da máquina administrativa seja na execução das funções sociais.
Olhar para tudo isto e procurar 4 mil milhões de euros para cortar já é, em si, um acto falhado. Olhar apenas para as funções sociais e procurar aí os mesmos 4 mil milhões é uma fraude!
Foi para aqui que precisamente o governo trouxe o debate.
Fora de tempo, em desespero de causa, o governo procura um corte 4 mil milhões – a partir de um Relatório que aponta para mais do dobro, a pensar em dividendos políticos – em regime de chantagem política. Sem quaisquer intenções de reformar o Estado, esgotando todos os seus ímpetos reformadores na legislação laboral e na fraude a que chama reforma autárquica - limitada à fusão de umas quantas freguesias, para manter tudo na mesma, sem tocar nos interesses instalados –, sem sequer tocar nos milhares de institutos e fundações, os mais adiposos das gorduras inventariadas, sem pensar sequer numa forma de reduzir o maior dos encargos do Estado, o governo aposta tudo no aproveitamento das actuais circunstâncias do país para levar por diante a sua agenda ideológica!