PARADIGMÁTICO
Convidada: Clarisse Louro *
Acabamos de saber que o Tribunal Cível do Porto decidiu que Luís Filipe Meneses não poderá candidatar-se à Câmara Municipal do Porto. Em Lisboa tinha já sucedido algo de idêntico à candidatura de Fernando Seara.
Sendo estes os dois casos mais mediáticos, não se esgota neles a lista de candidaturas autárquicas que pretendem fintar a lei. E que levou à emergência de um movimento cívico – Movimento Revolução Branca – que em boa hora decidiu apresentar providências cautelares nos concelhos onde essas candidaturas surgiram.
Tenho por certas duas coisas: que nem em todos os concelhos as decisões dos tribunais serão conformes com as de Lisboa e Porto, isto é, que nem todos os tribunais farão a mesma - correcta, a meu ver, como há muito aqui expressei - interpretação da lei; e que estas decisões sobre as duas mais importantes câmaras do país, como de outras no mesmo sentido, serão objecto de recurso e acabarão eventualmente por não vingar. Mas isso não me impede de saudar a iniciativa cívica deste movimento e de desejar – desejar profundamente – que crie raízes de cidadania de que a sociedade portuguesa é tão carenciada.
Esta lei da limitação de mandatos, e o que dela está a classe política a fazer, é o espelho fiel do funcionamento da estrutura política em Portugal: uma lei que surge de um espírito claro – impedir que se perpetuem pessoas e interesses no poder -, que depois é redigida de forma dúbia para, como todas, ser discutível e, por fim, aprisionável por interesses. Na circunstância, os dos partidos!
Partidos que, em vez de evitar apresentar candidaturas que chocassem com a lei, decidem antes ignorá-la, bem como ao seu espírito. Como ignoram o estado a que chegaram e a que fizeram chegar o país… E desataram a apresentar candidaturas à revelia da lei só porque favoreciam os seus projectos de poder. Não se julgue que há algum tipo de questões ideológicas, ou qualquer traço de direita ou esquerda a balizar a atitude de cada partido. Nada disso. É por acaso que os maus da fita neste filme são o PSD e o PCP: o mero e simples acaso de circunstancialmente serem eles a tirar proveito da situação.
Tudo isto se passaria – como sempre tudo se passou – sem grandes ondas, se ninguém ousasse levantar questões.
Levantadas, surgiria o lado hilariante, sempre parte integrante da política que por cá se faz. Da Presidência da República vinha a descoberta da pólvora: o problema era o da contracção. Se para Shakespeare o dilema era to be or not to be, aqui era de ou da!
De nada valeu que deputados legisladores de então confirmassem o espírito da lei. Logo surgia um iluminado a contraditá-lo, a trocar o de por da.
A Assembleia da República acabaria por fugir do problema, entender que não lhe cabia explicitar a interpretação da lei. Que isso caberia aos tribunais – em Portugal tudo se chuta para os tribunais - se alguém se desse a tal…
Paradigmático. É isto a política em Portugal e é disto que por cá se faz a governação…E é por aqui que deviam começar as famosas reformas estruturais. Mas como isso já não cabe à troika…
* Publicado hoje no Jornal de Leiria