RIGOR DAS PALAVRAS E SWAPS
Convidado: Luís Fialho de Almeida
Na generalidade das situações, o discurso político é apresentado: redondo, inócuo, inatacável, ardiloso, evasivo, determinado e convincente, politicamente correcto, empolgante para apelar às palmas nos comícios. Deve parecer sábio o que não tem fundamento, parecer sensato o irresponsável, parecer de causa pública, social ou de estado o que é meramente de interesse muito restrito. Recorre-se a conceitos de sentido amplo e elástico que sirvam para tudo, como o canivete suíço, utilizando palavras sempre disponíveis, que se ajustem às conveniências e não comprometam, porque os valores e o sentido que encerram não são mensuráveis.
Consciência, moral, ética, verdade, mentira, seriedade, rigor, sentido de estado, competência, mérito, responsabilidade, equidade, justiça, honestidade, corrupção ou gestão criativa e, mais recentemente, o irrevogável de Paulo Portas, são exemplos, entre muitos outros. Utilizam-se as virtudes dos conceitos para encobrir o condenável ou para representar o seu contrário. Ao observador, de acordo com o seu carácter e matriz educacional, compete avaliar o valor ou o sentido das palavras quando utilizadas pelo canalha ou pelo virtuoso,
No discurso interessa juntar às palavras credíveis, o tom convincente, sério, preciso, claro e sereno, porque não haverá polígrafos para avaliar do rigor dos conceitos através de alguma métrica. A métrica é apenas gestual, fica na postura. Veja-se um discurso televisivo, mas retire-se o som.
Talvez se possa falar de métrica nas folhas Excel dos tecnocratas das finanças, onde os números se alinham sem honra nem glória e nos tem levado à desgraça. Alguns dos conceitos que exemplifiquei não são finitos como os números, tem dimensão humana e espiritual, mas são banalizados e canibalizados pela classe politica.
Sobre o rigor do conceito e da palavra dada, apetece recorrer ao saber dos sábios - sábios de saber feito pelo tempo, conhecimento e inteligência, mesmo sem canudo académico, mas de ideia precisa e palavra curta.
Num encontro casual de rua, um homem que há muito não via cumprimenta-me calorosamente, recordando a minha meninice quando carregava comigo no colo. Fez-me uma breve síntese do estado da sua família, do presente e como vê o futuro incerto e sombrio. Diz-se desiludido com o comportamento daqueles que governam em nosso nome, desbaratando recursos e valores, desacreditando a democracia pela fadiga que trazem ao sistema partidário. Sente-se cansado das notícias do estado da nação e dos discursos que lhe invadem a solidão da recente viuvez, deixando-lhe amargura em vez de companhia grata.
Exemplificou-me com a constante austeridade a oprimir os mais indefesos - no seu caso, idoso e reformado - para que os mais afortunados não baixem a sua taxa de acumulação de riqueza. Reconhece, como ganho da democracia, a melhor repartição dos benefícios sociais, mas que agora se perde com a socialização dos prejuízos do sistema financeiro, centrado na banca especulativa e fraudulenta, lesiva dos interesses daqueles que nela confiam. Mas aos bancos o Estado deita mão, mesmo deixando falir milhares de empresas e retirando aos indefesos que, assim, pagam os devaneios financeiros aos quais os governantes se ligam - “A tirania sobre os indefesos é um acto de cobardia” – disse.
Sobre a actual polémica dos swaps, de quem mente e não mente, do sentido da verdade e da mentira, da seriedade e responsabilidade nos cargos da governação ao contratar seguros de risco de crédito em condições danosas para o interesse público, o meu interlocutor - homem do campo com 86 anos e muitas rugas lavradas pelas intempéries da vida e a enorme sabedoria que Saramago reconhecia ao avô ribatejano que não sabia ler nem escrever - rematava “no passado, os HOMENS agarravam-se pela palavra dada, hoje, esta gente agarra-se pelos cornos!”- caso para dizer, Swaps para quê?
Falou ainda de outras preocupações que são comuns a todos nós e, a terminar, agradeceu a minha atenção, dizendo - “com a minha idade a vida já nos ensinou muito, só que ninguém nos pergunta nada, especialmente esta rapaziada iluminada que nos governa e dos velhos só quer o voto”