Circo da tragédia
Por Eduardo Louro
Não sei nada de incêndios. Por isso não vou escrever sobre o que (não) sei de incêndios. Apenas sei que devastam o país ano após ano, consumindo bens e vidas. E que, este ano, já muitas foram as vidas que levaram. Vidas de jovens, muito jovens na sua maioria, que um dia decidiram colocá-las ao serviço dos outros e que, por isso mesmo, são vidas que valem mais. E que deveriam valer de mais para serem perdidas desta forma!
E sei que atingem Portugal como nenhum outro país. E bem sei que isso não se deve a razões exclusivamente climatéricas, porque não têm, nem de perto nem de longe, a mesma expressão nos outros países do Sul da Europa, com condições climatéricas idênticas.
Sei pouco de políticas de solos e de florestas, mas sei que as espécies autóctones vêm nas últimas décadas sendo substituídas por eucaliptos. Sei que os eucaliptos servem a indústria da celulose, e que esta representa interesses fortíssimos que facilmente tomam conta dos governos. E que isso se nota à vista desarmada, a todo o pé de passada. Sei que a política de desenvolvimento do país o inclinou para o litoral, desprezando e desertificando o interior. Acabando as pessoas, acabou a pastorícia e o amanho da terra, e destruíram-se os equilíbrios que preveniam incêndios
Sei que o país pouco investe na prevenção, enquanto consome cada vez mais recursos no combate aos incêndios. Que, apesar de todos reclamarem sempre mais, o país já gasta o que pode e o que não pode nesta tragédia que se repete todos os verões, à volta da qual florescem actividades e interesses que não podem ser ignorados. Há uma economia do fogo que vive disto e que nem sempre será inocente. Sei - sabemos – que mesmo na Organização que é os bombeiros, há estruturas de interesses, mesmo que mesquinhos como sucede na maior parte das vezes. Que uma coisa são os bombeiros, os jovens, os homens e as mulheres que colocam as suas vidas ao serviço da comunidade, de comunidades que muitas vezes nem sequer são as suas, e outra sãos as suas estruturas de cúpula.
Sei – sabemos – que há criminosos à solta. Uns porque nunca são apanhados, outros porque logo são libertados.
Mas o que sei mesmo é que não podemos continuar a aceitar que tudo continue na mesma, ano após ano. Não podemos continuar impávidos e serenos à espera que em Julho e Agosto tudo se repita. Com televisões a fazerem da tragédia espectáculo, políticos bronzeados a repetirem os mesmos lugares comuns, e diferentes estruturas operacionais a digladiarem-se na praça pública, resumindo esta tragédia a um circo que no Verão desce à cidade.