Vozes
Por Eduardo Louro
Mário Soares segue e soma, sem sequer uma pausa para descanso. Não fosse isso, a deixar a ideia que dispara em todas as direcções e sobre tudo o que mexa, e seria bem maior o peso daquilo que diz.
Não fosse isso – isso e alguns flancos pouco protegidos que fazem com que se multipliquem os anticorpos – e o regime abanaria quando diz que os membros do governo são delinquentes, e que devem ser julgados. Não fosse isso e, como escreve hoje Fernando Dacosta no i, Mário Soares seria o líder da oposição que falta ao país. Não fosse isso, isso e o capital político que desperdiçou nas lutas eleitorais em que, fora de tempo e de nexo, se envolveu depois do seu último mandato presidencial, e seria a voz da ressonância do protesto português.
Não fosse isso e o eco da sua pergunta de hoje - “Porque é que o Presidente da República não é julgado pelo BPN?” - seria equivalente ao estrondo da própria pergunta...
É certamente inédito que, dentro do mesmo regime, um ex-presidente da república chame delinquentes aos membros do governo, reclame o seu julgamento e sugira que há também razões para levar a julgamento o presidente da república em exercício.
Se da parte do governo não veio qualquer reacção, já Cavaco reagiu de imediato, reiterando “que a única relação que teve com o BPN foi a de depositante”. Mas acrescentando mais uma razão para ser levado a julgamento: por mentir e enganar os portugueses que, como se sabe, não é em Portugal razão para tanto.
Porque, como está farto de saber que nós sabemos, ele não foi um simples depositante. Foi accionista, teve acções, por convite e sem preço de referência da Sociedade Lusa de Negócios, não cotada em bolsa. Lucrou - o lucro não é condenável, mas o lucro anormal é suspeito – em muito com isso. Porque, como ele está farto de saber que nós sabemos, Oliveira e Costa e Dias Loureiro quando fundaram aquela associação criminosa com nome de banco já não eram, como ele diz, ministros dos seus governos. Mas foi à sombra dos seus governos, do partido que liderava e contando com a sua protecção – como ficou mais que evidente na forma como aguentou Dias Loureiro no Conselho de Estado – que o fizeram. As acções que lhe foram parar às mãos reflectem isso mesmo: a sua sombra protectora!