CHOQUE DE GERAÇÕES
Por Eduardo Louro
A opinião publicada tenta reinventar a velha luta de classes de Marx aplicando-a agora a um novo conceito em que as gerações substituem as classes sociais. Onde as gerações mais novas são agora o proletariado oprimido e explorado pela burguesia opressora e exploradora que são os mais velhos. Os seus pais, vejam bem!
A ideia começou a espalhar-se já há alguns anos com a perspectiva de, pela primeira vez, os filhos poderem vir a ter uma qualidade de vida inferior à dos seus pais. Sem grandes justificações mas apenas porque sim.
Depois foram os investimentos públicos nas mais diversas infra-estruturas a dar uma mãozinha. Que, agora cada vez mais sofisticados e exigentes nas suas múltiplas variáveis, projectam responsabilidades financeiras sobre várias décadas, a partir de cada vez mais sofisticadas engenharias financeiras “legitimadas” por um princípio novo que se dá pelo nome de utilizador-pagador. Ora, se as gerações vindouras virão a ser utilizadoras…
Claro que também herdam muitas dívidas sem contrapartida, porque se andamos há tanto tempo a consumir mais do que produzimos, alguém haverá de pagar isso. Se pagar… mas isso é outra estória!
Mas também o mundo mudou. E muito! Apenas três exemplos bem espalhados pelas duas últimas décadas: o desabamento do bloco de leste, a posterior e consequente globalização, e a questão demográfica.
Com o desaparecimento, por implosão, do bloco soviético desapareceu também o grande “regulador” do sistema. Paralelamente aumentava esmagadoramente a oferta de uma mão-de-obra bem qualificada e barata.
A globalização gera deslocalizações de investimento, com a consequente perda de postos de trabalho mas, fundamentalmente, obriga à deslocalização de recursos, com o surgimento de largos milhões de novos consumidores que aspiram um dia chegar aos padrões de consumo do mundo desenvolvido.
E que, com a ajuda da redução da taxa de natalidade nos países mais desenvolvidos, põem em causa uma enorme série de coisas que dávamos por adquiridas: os tais célebres direitos adquiridos que muitos, por andarem distraídos ou por quererem distrair os outros, querem dar por sagrados.
As novas gerações vivem níveis de conforto como nenhuma outra. Apresentam-se como a geração mais qualificada. E são – no na realidade, porque dispuseram de condições como nenhuma outra. Mas é também por isso, porque essa qualificação não é hoje uma vantagem comparativa tão decisiva como nas gerações anteriores, que lhes está mais fechado o acesso aos níveis de conforto dessas gerações. Recorrendo à imagem – que não é minha, vi-a por aí, não sei onde – de um diploma equiparado a um bilhete de lotaria, agora, com tantos, é mais difícil ser premiado.
Parece-me que seria mais interessante discutir isto – isto e o resto, bem entendido, porque os problemas existem, não são meras invenções destes jovens de hoje, como existem todos os outros que afectam todos os outros, em particular os que têm o azar de cair no desemprego logo a partir dos 40 anos – do que inventar uma guerra de gerações alimentada por uns tantos analistas que, à esquerda e à direita, gostam de se entreter com exercícios que acabam mas é por chocar as gerações. Todas!
Creio que, nunca como agora, aquilo que sempre entendemos como choque de gerações esteve tão esbatido. O que hoje temos para enfrentar não é um choque de gerações, são dificuldades, e muitas, que atravessam todas as gerações. Estamos todos à rasca, essa é que é essa!