O DESERTO
Por Eduardo Louro
Já aqui referi a personalidade política de Sócrates e a forma como, fazendo-o confundir com o governo e com o partido, foi determinante para o actual estado do país. No estado em que o governo deixou o país e no estado em que o partido o pode vir a deixar, face à forma como hoje condiciona a conjuntura política. Uma personalidade que, se tudo corre bem, funciona como alavanca de sinergias. Mas, se algo corre mal, potencia e sustenta a famosa lei de Murphy!
Com a sua personalidade a secar governo e partido, Sócrates, envolvido em tantos e tão sucessivos escândalos e problemas pessoais – de que os casos Freeport e TVI e a adjacente e colateral operação face oculta são apenas os exemplos mais flagrantes – agravados por essa mesma personalidade – a tal lei de Murphy – facilmente percebemos estes últimos dois anos de governação. E mais facilmente percebemos ainda como ele é apenas parte do problema, sem que possa alguma vez vir a ser parte da solução!
Sócrates - quer dizer: o governo e o partido que o suporta – concentrou todas as energias na defesa da sua pele. Não lhe sobrou, nem poderia sobrar, tempo para o país!
Como para além dele era o deserto, não houve quem pensasse o país, que ficou em piloto automático… E foi assim que, sem capacidade para pensar o país e de antecipar os problemas, eles se foram acumulando, uns atrás dos outros, como uma bola de neve. Aqui chegados, Sócrates utilizou a receita que já seguira perante os seus próprios problemas. Com os mesmos resultados: agravando-os. A lei de Murphy, mais uma vez!
Negando-os sucessivamente, enrolando e distorcendo a realidade na ilusão, e não sei se na convicção, de que a sua imensa capacidade de manipular factos, dados e circunstâncias o levaria, incólume, ao encontro do que esperava ser o seu grande aliado: o tempo! Ele já só queria ganhar tempo, mesmo que não soubesse o que fazer com ele. Sem perceber que o tempo já não estava do seu lado. Que o tempo já só podia agravar os problemas, lançados num galope incontrolado!
A personalidade de Sócrates não lhe permitia delegar a responsabilidade de pensar o país enquanto ele se entregava aos seus múltiplos problemas. Mas também não vemos em quem a poderia delegar.
Em Pedro Silva Pereira? Seria difícil: para ele reservara apenas o papel de fiel escudeiro, um papel que personagens como Sócrates não conseguem dispensar. Sobrava-lhe Teixeira dos Santos. Não era do partido e teria muitas dificuldades, como se percebeu na última e lamentável sessão parlamentar, quando perante a insólita retirada de Sócrates ficou sozinho e isolado. Mas percebeu-se também que não tinha dimensão política para a tarefa. Nem mesmo de carácter e de personalidade, como estes últimos tempos se encarregaram de mostrar à evidência.
Por isso chegamos aqui. E, ainda por isso, não sabemos onde estaremos para chegar. Por isso e por haver tanta gente a não perceber isso!
Porque é por haver tanta gente a não perceber tudo isso que o PS manteve as eleições internas. E que Sócrates foi reeleito por uns obscenos 93,3%, para continuar a ser o grande problema do país.
Oxalá eu esteja enganado!