CAMBALHOTAS
Por Eduardo Louro
Sócrates tem uma capacidade extraordinária para a cambalhota. Um verdadeiro especialista em cambalhotas: muitas delas verdadeir(os)amente mortais!
A última, o pedido de ajuda ou de resgate - eufemismos universais – de ontem, não é só o último exemplo dessas cambalhotas. É bem mais que isso, é um exemplo de como um líder especialista em cambalhotas consegue pôr todo um país … às cambalhotas.
Repare-se nisto: Sócrates consegue entregar o país nas mãos do FMI – o mais terrível dos papões para qualquer povo – e deixar toda a gente contente. À excepção das pessoas e dos partidos que o sistema já expulsou – Partido Comunista e Bloco de Esquerda são invariavelmente apresentados como externalidades, os partidos que não fazem parte do sistema (percebe-se por que não são ilegalizados: porque ficaria mal à democracia mas também porque fazem falta ao ecossistema) – toda a gente foi unânime a aplaudir a boa nova de ontem. Nas televisões e nos jornais não se consegue perceber uma única voz contra: aí estava Sócrates a fazer o pleno! Aí está um país inteiro (em Portugal o que não passa na televisão não existe) a dar uma cambalhota nunca antes vista: toda a gente a apoiar uma decisão de Sócrates, que outra não era que entregar o país ao resgate!
Isto é absolutamente extraordinário e não deixará de vir a ser capitalizado pelo timoneiro da nossa desgraça. Como, não sei, mas ele há-de arranjar maneira. Não fosse ele um especialista!
Há coisas assim: como o homem andou meses a dizer que só por cima do seu cadáver, os portugueses assumiram que só poderia ser bom. Depois, mesmo que sem cadáver, a ideia já estava assimilada como boa. A cambalhota estava dada. Irreversível como todas as cambalhotas!
Evidentemente – e agora a sério – que as coisas chegaram ao ponto em que (no contexto específico e institucional do país) já não havia alternativa. A resistência de Sócrates já não era resistência, já não passava de intolerável e irresponsável teimosia. Daí que o pleno, nestas circunstâncias, não seja assim tão extraordinário. É apenas irónico!
Tão irónico como os nomes com que a operação nos é apresentada: ajuda externa! Ou resgate!
O que aí vem não vai bater leve … levemente! E ajuda não é certamente … Perguntem aos irlandeses!
Também não é resgate, que pressupõe libertação. Não iremos ser libertados de coisa nenhuma (talvez de Sócrates, com um pouco de sorte!). Iremos ser capturados! Perguntem aos gregos…
Aos mais novos iria sugerir que perguntassem ainda aos mais velhos. Aos que, como eu, se lembram de 1977 e de 1983. Perguntem: ouvirão falar de fome – sim houve fome, quem se não lembra de Setúbal? – de miséria e de destruição. De muitas estruturas e até de vidas!
Mas não se esqueçam que em 1977 estávamos a sair da revolução, a ensinar democracia bebé a dar os primeiros passos e a apresentar o nosso pedido de adesão à CEE, com todo o mundo ocidental, e em especial os Estados Unidos e a Alemanha (outra Alemanha, a RFA de Willy Brandt, que nada tem a ver com esta de Merkel) - então sim – verdadeiramente empenhados num resgate. E que em 1983 tínhamos o escudo para utilizar como válvula de escape – muitos dos ajustamentos passaram por aí – e tínhamos uma luz bem forte lá no fundo: a adesão à CEE, a dois anos de distância, com os milhões todos que lá viriam!
Desta vez não teremos nada disso: os tempos são outros, já não há mais Willy Brandt. Há Merkel! Já não há mais milhões a chegar da Europa. Já vieram e desapareceram todos. Já não há escudo para nos amparar. Há um euro forte, em que não podemos mexer, que obriga a concentrar todos os esforços de ajustamento nas mesmas medidas. Que tocam sempre aos mesmos! E que vão doer a sério…