OS PERDEORES
Por Eduardo Louro
O país votou e, mais uma vez, uma boa parte não votou: não está para isso, não acha que valha de alguma coisa, não quer saber ou acha que eles são todos iguais.
São cerca de 40%, muita coisa, dizem os números. Tenho dúvidas! Esta abstenção parte de uma base eleitoral de cerca de 9,6 milhões de portugueses: acho portugueses a mais! Porque, se assim for, temos apenas um milhão de portugueses com menos de 18 anos. Não me parece! Por isso acharia interessante que se desse uma volta aos cadernos eleitorais e que, em tempo de simplex, de empresas na hora e do Magalhães se resolvesse um tão pequenino e tão simples problema quanto este: um interface entre as Conservatórias do Registo Civil e as bases de dados eleitorais do Ministério da Administração Interna. Asseguro que não é nada de complicado. Bom, e quando vemos que qualquer cidadão eleitor pode aceder a essas bases de dados através de um IPad e ficar a saber exactamente onde vota, rapidamente percebemos que é muito mais fácil descarregar lá uma certidão de óbito entregue no Registo Civil.
Porque isto de andarmos sempre a dizer que a abstenção é esta ou aquela começa a cheirar ao mesmo do empate técnico das sondagens. Todos nós percebíamos que os resultados do PS anunciados pelas sondagens não batiam certo. Era fácil: no meu círculo do dia-a-dia só encontrava gente que se queria ver livre de Sócrates. Saía de fora do meu círculo para entrar no de outros e o resultado era o mesmo! Não dava para perceber: ou as pessoas mentiam para as sondagens ou mentiam para mim!
As eleições permitiram-me perceber que a dicotomia era outra: ou as pessoas mentiam para as sondagens ou as sondagens mentiam para nós?
Porque, evidentemente, a malta queria mesmo era ver-se livre de Sócrates. Quanto mais não fosse para lhe ouvir um discurso a soar a música aos ouvidos da maior parte de nós: um discurso aplaudido por toda a gente como uma das boas coisas da noite eleitoral, mesmo que sem um mea-culpa, sem um erro, nem sequer um equívoco. E, como não somos de rancores, ficamos contentes de saber que ele vai agora ser feliz, mesmo sabendo que nos deixou a nossa felicidade bem adiada!
E, como rei morto rei posto, logo surgiu António José Seguro. Saído de trás do arbusto onde tem andado escondido – agora bem disfarçado de elevador do Altis – lá veio ele dizer que existia, que a máquina bem sabia onde ele andava e do que era capaz e que, claro, não podia deixar ali aquela nesga de terreno por marcar. Nem que para isso tivesse que lançar mão de uns truques da politiquice: mandar avisar os jornalistas para, depois, lhes dizer que eles é que estavam ali, quais paparazi, à sua espera! Começa bem, sim senhor!
Mais perdedor que o PS de Sócrates foi o Bloco de Louçã. Que nem se foi embora nem deu grande sinais de autocrítica, mas deixou muita gente em reflexão. A sensação que fica é que há uma elite dirigente, que vem da fundação do partido, que não tem condições de perceber a oportunidade e o espaço que se abria ao partido. Que não consegue perceber que há um espaço para os valores da esquerda – da tal esquerda moderna – do lado de dentro do regime, que se não esgota no protesto e nas ditas questões fracturantes. Que não consegue perceber que a política também se faz de pragmatismo, de escolhas perante alternativas concretas, fora de espartilhos ideológicos. É confrangedor que esta direcção do Bloco nunca tenha percebido que cresceu porque o eleitorado o tinha por diferente do PCP. Que para fazer o mesmo já lá está o PCP, que o faz melhor e com outra implantação no terreno: o original é sempre melhor que a cópia!
Não posso dizer que o PCP tenha perdido. Por duas razões: em primeiro lugar porque nunca perde - é o único partido que não perde eleições, encontra sempre uma saída para a vitória – e, em segundo, porque em relação às eleições de 2009, até ganhou um deputado. Não por ter mais votos mas porque lhe calhou o deputado que Faro ganhou, o que não impediu nem limitou a festa. E no entanto o PC não ganhou coisa nenhuma. Porque nunca poderá ganhar quando os seus adversários políticos ganham em toda a linha: a propalada troika interna que apoiara a troika externa representa 80% dos votos dos portugueses!
É por aqui que começarei o texto de amanhã, quando falar dos vencedores. Por hoje fiquemo-nos pelos perdedores: a abstenção, as sondagens, o PS – Sócrates, mas também António José Seguro –, o Bloco de Esquerda (Louçã, Luís Fazenda e Migue Portas) e o PCP, com a ressalva apresentada. Os pequenos partidos também foram perdedores, resta saber se vítimas do sistema ou de si próprios.
E perdemos todos nós com estas leis que obrigam a arrastar estes períodos de vazio político: Sócrates apresentou a demissão em 23 de Março! Três meses depois ainda estaremos sem governo!