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Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

GUERRA E PAZ

Por Joana Louro *

 

Acabei de chegar a casa depois de um dia de trabalho intenso... Já é tarde e estou cansada! Ligo a televisão num dos canais de noticias, na tentativa de fugir à deprimente programação dos canais abertos no suposto horário nobre, e deixo-a a falar sozinha enquanto preparo qualquer coisa para o jantar, de preferência rápido e saudável! Finalmente os meus primeiros minutos de sossego… Entre o jantar que se cozinha e a mesa que falta pôr, sento-me uns minutos no sofá atenta às notícias e o que o mundo tem para contar.

Pouco menos que deprimente: a crise por cá, por lá e por todo o lado. A Europa, a Alemanha e a Srª Merkel, que tem que perceber que tem de ajudar e que ora percebe ora não percebe. Nem eu, com tantas explicações dadas por tanta gente expedita no verbo que defende uma coisa e o seu contrário. Desisto, estou saturada deste cenário e não quero saber mais...

Acabo de preparar o jantar e ponho a mesa, enquanto recapitulo mentalmente (e involuntariamente!) os doentes que deixei internados no hospital... E detenho-me no Sr. Silva, o doente da cama 5, um doente simpático, que me trata por “menina doutora”, “ menina por carinho e doutora por respeito”, vai dizendo com um sorriso franco na tentativa de justificar a utilização destas duas palavras, numa tão curiosa associação. Tem pouco mais de 70 anos e, depois de uma vida inteira dedicada à agricultura, deveria estar a gozar a sua velhice (com aquela idade eu ainda deverei estar a trabalhar – foge-me o pensamento neste parêntese). Mas não está! Não está porque o corpo está doente, mas sobre tudo porque a mente também! “A minha mente está mais doente que o meu corpo, menina doutora, tantas que são as preocupações”, confessa-me numa voz que me enche o coração. Os dois filhos estão desempregados, eram trabalhadores não qualificados de empresas que a crise e a globalização destruíram. “Mas os meus netos, menina doutora, esses foram para a faculdade e também não têm emprego. E isto como é que se explica? Pensei que estudar era assegurar o futuro deles!”. E para assegurar o futuro e o estudo deles foi vendendo as terras, que tinham sido noutros tempos o sustento da família. “Se pelo menos tivesse as terras, podiam ser cultivadas” pelos netos doutores, faltava-lhe acrescentar ao desabafo...

Quis-lhe explicar que as coisas não seriam assim tão simples e que as opções de outros tempos não foram erradas, que nem tudo tem uma explicação lógica, que a vida e o mundo são bem mais complexos... mas não consegui, afinal o que é que uma menina doutora tem para ensinar a um Sr. Silva. Ofereci-lhe o meu sorriso mais sincero e profundo, o mesmo que esboçava enquanto punha o jantar na mesa.

Depois de jantar ainda fiz uma visita aos meus blogs preferidos, numa nova tentativa de me encontrar com as noticias e o com o mundo... mas era mais do mesmo. Desisto e desligo o computador.

Opto pelo sofá e pelo meu livro dos últimos meses “Guerra e Paz”. Outro mundo, outro tempo... Não melhor, nem mais fácil, simplesmente uma crise diferente... Mas pelo menos serve para desligar!

 

 

* Publicado hoje no Jornal de Leiria

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