O governador do Banco de Portugal veio ontem dizer que tem de se encontrar outro índice de referência para as taxas de juro do crédito à habitação. Isto porque, com a(s) euribor(es) negativa(s), os agressivosspreads com que os bancos disputavam negócio há uns anos atrás começam a ser comidos e, em muitos casos, começam aritmeticamente a resultar em taxas negativas. E alguns, e de forma oficial - chamemos-lhe assim - o PC e o Bloco, reclamam que seja dada expressão prática e efectiva a esse resultado: que os bancos passem, agora, a pagar eles próprios (não seria devolver, obviamente, tratar-se-ia de abater ao capital em dívida o valor negativo dos juros) juros aos seus clientes.
Evidentemente que o bom senso aponta o dedo a este anacronismo. Evidentemente que se percebe que nem os bancos estão em condições de fazer isso, nem o próprio sistema resistiria muito tempo a essas condições. Tudo isto é verdade. Tão verdade como é verdade os bancos terem à sua disposição mecanismos para contornar o problema: basta-lhes - e muitos fazem-no - introduzirem nos respectivos contratos uma cláusula de impedimento. Ou até de fixação de uma taxa mínima.
Quando as taxas de juro subiam e deixavam muitas famílias em dificuldades, ninguém se preocupou. Pior: era lançado o anátema e a culpa sobre as pessoas. Coisas dos portugueses... Que não faziam contas, que queriam ter uma casa sem cuidar de saber se a poderiam ter. Nunca a culpa foi dos bancos, nem da publicidade agressiva que faziam ao crédito, nem do assédio aos clientes por todos os balcões do país.
Quando o bico do prego se vira, mudam-se as regras.
É certo que temos que colocar alguma contenção na nossa justificada indignação contra bancos e banqueiros. O que grande parte deles fez ao país não pode ser esquecido, nem tem desculpa. Mas não podemos aceitar que o Banco de Portugal, o árbitro, venha mudar as regras durante o jogo.
Parece macabro, mas é verdade. Quando Carlos Costa vem dizer que o BCE foi para além daquilo que propusera está apenas a confirmar essa verdade. O resto é jogo de palavras.
Depois do que fez - e não fez - com o BES e com o Banif, e dos milhares de milhões que tudo isso custou, custa e vai continuar a custar aos portugueses, o governo de Passos Coelho, há poucos meses e em cima das eleições, reconduziu Carlos Costa na governação do Banco de Portugal. Desde então, falhou a venda do Novo Banco, fez explodir o Banif e, para capitalizar o Novo Banco, não hesitou em deitar a mão a dois mil milhões de obrigações seniores detidas por investidores institucionais, decisão estrategicamente muito arriscada, para não dizer completamente errada, e de duvidosa legalidade, para não dizer muito provavelmente ilegal, como aqui se deu conta no final do ano passado.
Claro que os atingidos não acharam graça nenhuma à brincadeira e, primeiro que tudo - quer dizer, primeiro que a inevitável litigância, ameaçam não financiar mais bancos portugueses, com sérios riscos de o mercado fechar as portas à banca nacional.
Admitia-se, e outra coisa não era de esperar, que tinha sido uma decisão concertada com o governo e respaldada no BCE. Nada disso: primeiro - mas mesmo assim tarde, apenas depois das reacções internacionais - foi o governo a vir dizer que estava frontalmente contra a medida; e logo depois o BCE veio deixar claro que não apoiou aquela decisão, remetendo-a para a exclusiva responsabilidade do Banco de Portugal.
Como - a não ser em condições muito excepcionais, que nem a excepcional gravidade das asneiras de Carlos Costa contemplam - não se pode demitir o governador do Banco de Portugal, tem que ser o governador do Banco de Portugal a demitir-se. Obviamente... demita-se Sr Carlos Costa! Sabemos que se ganha muito bem, bem mais que o congénere americano, mas também sabemos que as reformas do Banco de Portugal não são nada más...
Ontem, na conferência de homenagem a Silva Lopes organizada pelo Banco de Portugal, falou o Nobel, Krugman, dizendo mais ou menos o mesmo que diz sempre, falou-se naturalmente do homenageado, mas falou-se acima de tudo do Banif. Quem nada teve a dizer sobre o tema foi Passos Coelho e... Carlos Costa.
Evidentemente que se perceberia que - eles ou que quer que fosse - naquelas circunstâncias não falassem sobre o assunto. Mas há formas e formas de não falar sobre as coisas, e a pior é fugir. Fugir configura sempre cobardia. Fugir - literalmente - como fugiram o anterior primeiro ministro e o governador do Banco de Portugal, é apens mais sintomático ainda. Valha que não estava lá a Maria Luís...
Não podem fugir sempre, nem podem fazer como se nada se passe. Alguém tem que explicar alguma coisa. Seja Passos Coelho, Carlos Costa ou Maria Luís. Ou Paulo Portas. Ou - quem sabe? - Nuno Melo, sempre tão assertivo nestas coisas. É já o enésimo banco a rebentar-nos nas mãos, e o problema maior é esse mesmo: é que não é o primeiro, nem o segundo. Já tinham a obrigação de ter aprendido, de saber lidar com estes problemas... De não ser sempre a mesma coisa...
Até porque desta vez - e disso parece que ninguém tem dúvidas - não há nada a apontar à administração executiva do banco. Nem aos auditores...
A poucos dias das eleições, o governo renovou o fracassado mandato do governador do Banco de Portugal. Fracasso acentuado na missão falhada de vender o Novo Banco. Fracasso pessoal, agora confirmado pelo próprio, ao endossar a missão a um terceiro, confessando e assumindo a sua incapacidade.
Nas vésperas da tomada de posse de um novo governo, de um governo que - sabe-se - não durará mais que uma semana, duas no máximo, é escolhido para a missão um secretário de Estado do governo em funções. Polémico, metido em trapalhadas até ao pescoço, ele próprio responsável por decisões teimosas de última hora da governação, muitas delas já anunciadas por revertíveis pelo eventual próximo futuro governo.
Podia perceber-se a ideia de Carlos Costa (ou de um último favor ao governo - tudo se paga): Sérgio Monteiro (ven)deu tudo o que havia para vender. Percebe-se a admiração de alguém que não conseguiu vender a única coisa que tinha para vender. Não se percebe é que nem o tenha deixado sair do governo.
Ora aí está! Já se sabia que perante o descalabro que vai ser a venda a qualquer preço do Novo Banco, o governo iria passar a culpa toda para o governador do Banco de Portugal. Como a desgraça está aí, e só faltam dois dias para ser conhecida, Passos Coelho não perdeu tempo a lavar as mãos. Não tem nada a ver com isso. Isso é tudo com o senhor governador...
Nada que o senhor governador não mereça. Mas também nada que deixe ninguém surpreendido!
Está confirmada a recondução de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal. Depois de esconder a decisão durante algumas semanas, Passos Coelho confirmou-a. Poucas semanas depois do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ter acusado, como acusou, o governador do Banco de Portugal. Numa semana em que as pensões da Segurança Social, e a sua sustentabilidade, estão no topo da actualidade, sem que ninguém fale dos milhões que o BES lhe destruiu. Com a responsabilidade óbvia de Carlos Costa. Que Cavaco, sempre na linha da frente na defesa das mais indefensáveis posições do governo de Passos, se apressou a ratificar. Não há ninguém em Portugal mais bem preparado para a função, disse ele.
Longe vai a velha ambição de Sá Carneiro. Estamos numa nova e triste era: uma maioria, um governo, um presidente ... um governador do Banco de Portugal ... uma Autoridade Tributária ... uma Segurança Social ... Tutti quanti!
Porque no poder tudo se compra. E tudo se paga!
O governo tinha de ficar de fora do superescândalo do BES, que fez do BPN uma brincadeira de crianças, para utilizar a terminologia do primeiro-ministro. O Relatório da CPI serviu-lhe os intentos, sacrificando Carlos Costa. Que se manteve firme e hirto, inabalável, quando qualquer pessoa digna e adequada à função, assim enxovalhada, não hesitaria em demitir-se.
Passos Coelho pagou-lhe o serviço. Limitou-se a pagar. Cavaco fez o resto, resgatou-lhe a credibilidade. Para, com isso, também ele lavar dali as mãos... Bem sujas, como bem nos sabemos, naquelas recomendações que ninguém esquece. As tais almofadas que garantia existirem ...
Se o governador vier de um mandato irrepreensível... Se o desempenho do governador tiver sido consensual, de méritos amplamente reconhecidos... Se não tivesse acontecido nada no BES... Se não houvesse centenas ou milhares de vítimas das burlas do BES... Se não tivessem sido enganadas milhares de pessoas no aumento de capital do BES... Se não tivessem acabado de perdoar 85 milhões em impostos... Se não estivessemos na iminência de pagar os milhões que ficarão a faltar depois da venda do Novo Banco... Se não estivessem muitos outros milhões para chegar pela litigância que está a ser preparada nos melhores gabinetes de advogados da capital...