Há dois dias o país acordou com um novo nome de uma nova operação da Polícia Judiciária e do DIAP: "tutti frutti", foi desta vez o nome escolhido, num exercício que tem já tanto de famoso quanto de pitoresco. Mas não é, evidentemente, a criatividade ou a propriedade dos nomes escolhidos, e em particular no escolhido para esta investigação, que é relevante.
A operação envolveu buscas em escritórios de advogados, autarquias, sociedades e instalações partidárias em todo o país. E nos dois principais partidos políticos do regime, mas atingiu com especial incidência Lisboa e o PSD. Em causa estão suspeitas de crimes diversos, em particular o de corrupção, praticados por indivíduos ligados às estruturas partidárias no âmbito do poder autárquico e, tanto quanto se soube pelos nomes entretanto conhecidos, no caso do PSD, está envolvida gente proveniente das estruturas da juventude partidária que tem vindo a construir as suas redes.
Quer isto dizer que, nos partidos do regime, renovação não rima com regeneração. Que os nomes conhecidos do velho caciquismo passam, mas atrás deles vem novos nomes desconhecidos prontos a manter o sistema cacique e a rede de corrupção em perfeitas condições de funcionamento, porventura ainda mais refinadas.
É isto que desacredita, corrói e mata a democracia. São as práticas criminosas na política, na administração da coisa pública, que destroem as instituições e a democracia para, no seu lugar, surgirem movimentos inorgânicos e populistas que, a pretexto de as combater, visam apenas atentar contra os valores fundamentais da democracia e da condição humana.
Os partidos políticos são, ninguém tenha dúvidas, as instituições básicas da democracia. O combate ao caciquismo, ao compadrio e ao crime é decisivo para os salvar. E para travar os movimentos populistas anti-sistema que estão a tomar conta das democracias ocidentais, em particular na Europa. E que só não chegaram ainda ao nosso país porque não somos propriamente um povo de mobilização fácil. Para o bem, mas também para o mal!
Que a "tutti frutti" seja bem-sucedida. Levada até ao fim, e o princípio da regeneração da democracia que temos que salvar.
Com o país de luto, e a agenda mediática esgotada na tragédia que o assolou, quase nem se deu pela detenção de Hermínio Loureiro, suspeito das coisas do costume: "corrupção passiva e activa, prevaricação, peculato e tráfico de influência". Falta lá a "participação económica em negócio", o que não deixa de ser estranho numa operação baptizada de "ajuste secreto".
O que não é segredo é que Hermínio Loureiro seja um dos últimos expoentes da arte de bem misturar o futebol e a política, bem representada neste "ajuste secreto". Lá estão o passado, o presente e o futuro da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis. E ainda um antigo deputado, e também antigo presidente da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte e do Conselho de Administração da Assembleia da República.
Quando foi notiicada a Operação O Negativo ficou claro que há gente que está em todas. Disso dei aqui conta, acrescentando-lhe quanto estranhava (aqui, como noutros espaços em que tenho oportunidade de expressar opinião) que, sendo Paulo Lalanda de Castro uma dessas pesoas - é uma das mais destacadas figuras à volta de Sócrates, volta a ser referência nos vistos gold, à volta de Miguel Macedo, fala-se de off-shores, e lá está ele, e é agora figura central neste escândalo de corrupção do plasma sanguíneo - nada se passasse. Era como se continuasse a passar por entre os pingos de uma chuva bem grossa...
Mais estranho me pareceu que no final do dia seguinte (quarta-feira) surgisse a notícia que se teria demitido de todas as suas funções na multinacional Octapharma, de que era presidente para Portugal. Não era bota que jogasse com a perdigota, quer dizer: os pingos grossos da chuva estavam mesmo a molhar. Poderiam era não vir tocados pelo vento certo...
Afinal, sabe-se agora - vá lá saber-se por quê - que o cavalheiro tinha sido detido na quarta-feira na Alemanha, no meio de uma reunião nas instalações da empresa, em Heidelberg. E que só depois de detido, naquelas cicunstâncias, apresentou (ou foi obrigado a apresentar) a demissão dos cargos que ocupava na empresa. Agora sim, as coisas fazem sentido. O que continua sem fazer sentido é que a comunicação social tenha noticiado o posterior acontecimento secundário e ignorado o anterior acontecimento principal. É como não noticiar uma catástrofe para fazer notícia dos efeitos marginais que tenha provocado.
A verdade é que finalmente um desses nomes que está em todas foi detido. Já terá sido presente a um juiz alemão, que terá agora de decidir sobre o processo de extradição para Portugal. Vamos lá ver se esse juiz se não lembra que nestas coisas da corrupção, por cá, às vezes há corruptores mas não há corrompidos. Ou vice-versa.
É que pode ter ouvido dizer que há por lá uns alemães presos porque, num negócio de submarinos com Portugal, corromperam alguém que não foi corrompido...
Podia vir hoje aqui dizer que o Cristiano Ronaldo é uma máquina. Que o António Guterres - na sua especialidade - não lhe fica muito atrás. Que que o país está minado pela corrupção. Mas que, com o manifesto sucesso da investigação judiciária, isso não tem que ser uma fatalidade.
Mas venho aqui simplesmente dizer que o MMA não é desporto nehum, porque o desporto, mesmo cada vez mais longe da escola de virtudes que chegou a ser, nunca pode ser isto. E que só as bestas defendem a bestialidade...
Faz hoje 5 anos que Portugal pediu ajuda externa ou, dito de outro modo, se entregou às mãos da troika. O que veio a seguir já sabemos... A dívida é maior, muito maior, os bancos são menos e piores. Como nós, afinal. Somos menos, grande parte foi embora, e provavelmente piores. Certo é que, se não somos, estamos. Pior. Ainda.
Ainda não sabemos quem são os portugueses - e as portuguesas - entre a fina flor da vigarice mundial nos papéis do Panamá. Mas sabemos que por cá, com ou sem recurso a offshores, mais dois destacados membros da Polícia Judiciária cederam à corrupção, e passaram para o lado de lá, ao serviço do narcotráfico, que diziam combater. Não são os primeiros, nem serão os últimos. A boa notícia é que foram apanhados. A má não é notícia, é preocupação: e quantos não são?
Preocupantes são também as declarações do Governador do Banco de Portugal, ontem na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif: não tem culpa de nada - nunca tem culpa de nada, coitado -, culpados são o governo anterior - ingrato! -, a administração do banco, o BCE e a Comissão Europeia. Ele é que não. Não tem culpa, porque não tem poderes... Coitado. Outra vez...
A Juíza de Instrução Criminal do Tribunal de Lisboa decidiu pela medida de coacção mais gravosa, alegando perigo de fuga e de "perturbação de aquisição e manutenção de prova", determinando a prisão preventiva do procurador Orlando Figueira. Que já seguiu para Évora, a prisão VIP do regime. Que não a prisão dos VIP´s do regime: a prisão dos VIP´s do regime do regime de VIP´s...
Há casos em que acontece o contrário. No célebre caso dos submarinos é o contrário: só há corruptor; ninguém foi corrompido... Nunca apareceu. Nunca se deu por ele. Ou por eles...
Aí está o primeiro orçamento aprovado pela esquerda, unida. Já não é surpresa, surpresa seria agora se o não fosse.
Surpresa é ver o liberais como Vítor Bento, e o PCP, do mesmo lado. Se esse lado for o da nacionalização de um banco, não é surpresa encontrar lá o PCP. Supresa é lá estar Vítor Bento. Mas se esse banco for o Novo dito, já com mais de mil milhões de prejuízos acumulados em menos de dois anos, já não é surpresa que lá esteja... Nacionalizar prejuízos - para os liberais - não é bem nacionalizar. Já para o PC, nacionalizar é bom porque sim. Porque lhe está na massa do sangue. E lá se vão as surpresas...
Surpresa também não é o bastonário da Ordem dos Médicos se opor à legalização da eutanásia. Já o sabíamos, mesmo que não saibamos onde acaba a posição pessoal e começa a corporativa. Surpresa é a argumentação rasca. Surpresa é que caia na pantominice de dizer que, com a eutanásia, quem hoje violenta física ou psicologicamente os idosos passaria a matá-los.
É isto que o bastonário está a dizer quando invoca estudos que indicarão que "um quarto dos idosos é submetido a alguma forma de violência, seja física, seja psicológica”, para concluir que "certamente todos percebemos com facilidade que esses idosos que são submetidos a essas formas de violência, a partir do momento em que seja descriminalizada/ legalizada a eutanásia, vão ser coagidos a optar pela eutanásia".
Surpresa é que pessoas destas não encontrem formas mais sérias de defender as suas ideias.
Mas, surpresa mesmo, é que um alto magistrado do mais importante orgão de investigação de crimes de colarinho branco seja detido por suspeita de corrupção. Ou será que não?
Há coisas que têm um valor absoluto. Valem o que valem pelo que realmente valem e não pelo que parecem valer. Outras, pelo contrário, valem mais pelo que parecem. Não é o que realmente valem que conta, mas o que representam.
Olhamos para isto e todos temos a convicção que não bate certo. Que a corrupção não é maior em Portugal que na Ucrânia. Ou que em Angola, ou que na generalidade dos países africanos. Vamos ler melhor a notícia e percebemos que essa lista resulta de um inquérito a trabalhadores dos diversos países levado a cabo pela consultora Ernest & Young. Percebemos que não resulta de um corruptómetro qualquer, mas apenas da percepção que as pessoas, neste caso os trabalhadores, têm sobre os níveis de corrupção nas suas empresas.
E voltamos ao princípio: não estamos perante um valor absoluto, medido por um qualquer corruptómetro, seja lá isso fôr, mas perante uma percepção da coisa. Não pelo que é mas pelo que parece que é!
Ora, a corrupção é em si mesma o maior cancro de uma sociedade. Mas a percepção que dela a sociedade tem é bem mais devastadora, capaz até de destruir uma civilização. É por isso que pouco importa se a Ucrânia, ou um qualquer país africano, é mais corrupto que o nosso. Importa, evidentemente que sim, se o inquérito tem algum tipo de valor científico e se, em razão disso, o destaque dado à notícia é jornalisticamente sério. Importa até que o rigor da notícia seja aqui bem maior do que na anterior.
Mas a corrupção não deixa de ser corrupção conforme é praticada nos gabinetes das empresas ou nos da administração pública. Corrupção é corrupção, onde quer que seja. E o que realmente conta é que há portugueses convencidos que vivem num país mais corrupto que a Ucrânia. O que é verdadeiramente dramático é que haja portugueses com a ideia que o seu país é mais corrupto que uma qualquer cleptocracia africana. Que essa ideia lhe seja transmitida pela própria empresa onde trabalham só agrava ainda mais a dimensão do problema. Porque o torna mais próximo, mais sentido e mais percepcionado. Porque, aí, o que parece, é. Percepção e realidade estão sobrepostas...
Pelo sexto ano consecutivo a Porto Editora convidou os portugueses a escolher a palavra do ano. Tudo começou em 2009, quando a escolha recaiu em esmiuçar, traduzindo o sucesso dos Gato Fedorento, que então esmiuçaram muita coisa, e acima de tudo as eleições desse ano. Em 2010, a escolha foi determinada pelo campeonato do mundo de futebol da África do Sul, com os portugueses, impressionados com aquelas gaitas insuportavelmente ruidosas que marcam o colorido que os africanos dão ao futebol, a escolherem vuvuzela.
A partir daí a vida dos portugueses mudou, e com cada vez maiores dificuldades, as palavras mudaram de tom. E em 2011, para palavra do ano os portugueses escolheram austeridade, provavelmente bem longe de pensarem que austeridade era coisa que não os largaria em todos os anos seguintes. Perceberam isso – que a austeridade viera para ficar – logo no ano seguinte, e por isso inventaram uma palavra que traduzisse o que se sentiam: entroikado. Era isso, os portugueses sentiam-se entroikados!
Em 2013, com um Verão trágico em áreas ardidas e vidas perdidas em incêndios, dificilmente os portugueses escolheriam outra palavra que bombeiro. Como, para o ano que acaba de se despedir, dificilmente poderiam deixar de escolher corrupção.
Em 2014 foram conhecidas as condenações do processo Face Oculta, que ainda antes, e para além da condenação à prisão de ex-ministros e de mais gente ligada ao poder, provocou uma série de graves efeitos colaterais, os menores dos quais não terão certamente sido os envolvimentos das estruturas de topo do aparelho judicial nos episódios de destruição das escutas telefónicas que envolviam José Sócrates. Foi conhecida a condenação de Duarte Lima, por enquanto ainda naquilo que poderá apenas ser a ponta do iceberg que será a actividade escura do antigo líder parlamentar de Cavaco silva. Descobriram-se as burlas, as comissões e os prémios dos Espírito Santo, num pântano de corrupção e vigarice. Foram presos altos funcionários do Estado e da Polícia, envolvidos numa teia de corrupção potenciada pela autêntica via verde que o governo abriu com os vistos gold. Foi pela primeira vez preso um ex-primeiro ministro, suspeito de crimes vários, entre os quais avulta justamente a corrupção, com base em factos que, podendo vir a ser difíceis de provar, são ainda mais difíceis de justificar. E foi vergonhosamente arquivado, ao fim de oito anos de investigação, o processo da compra dos submarinos, mesmo sabendo que na Alemanha os corruptores activos foram condenados e presos, e que confessadamente jorraram milhões de euros pela administração do Grupo Espírito Santo. Entre os quais largos milhões destinados uma determinada pessoa, num determinado dia, num determinado local, que nenhum interesse suscitou à investigação do Ministério Público. Que no despacho de arquivamento não fez sequer qualquer esforço para esconder a negligência, chamemos-lhe assim, e lavou as mãos, dizendo que nem sequer era muito importante apurar os crimes, porque, a terem ocorrido, já teriam prescrito.
Depois de todos estes anos de sacrifícios – para nada, ao contrário do discurso oficial –, do empobrecimento brutal, e do dramático alargamento das assimetrias sociais, só faltava esta percepção de corrupção para rebentar uma tempestade perfeita na sociedade portuguesa!