Se a Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES não servir para mais nada serve, pelo menos, para mostrar que o governo e o Banco de Portugal "jogaram à roleta" não só com a estabilidade do sistema financeiro, conforme hoje lá disse Fernando Ulrich, mas também com os portugueses e com a economia portuguesa.
Bastou que Fernando Ulrich tivesse dito - e disse muito mais - que tinha avisado Vítor Gaspar, então ministro das finanças, ainda antes da irrevogável revogada demissão de Portas do início do Verão de 2013, do que se estava a passar no GES e no BES. E que tivesse demonstrado que, dois dias depois, já estava um alto funcionário do Banco de Portugal a contactá-lo na sequência dessa sua iniciativa, para ficar claro toda a gente do governo tem mentido, com o primeiro-ministro à cabeça, quando diz que só teve conhecimento da situação no final de 2013. E que o governo e o Banco de Portugal são cúmplices, por passividade, com o rol de crimes financeiros praticados por Ricardo Salgado e seus pares no últimos 12 meses da actividade do BES!
A Henrique Granadeiro seguiu-se, na Comissão de Inquérito Parlamentar ao BES, Pacheco de Melo, o administrador financeiro – CFO, como eles gostam de dizer – da PT. Que sabia algumas coisas e tem alguma memória – muito boa mesmo, como chegou a referir.
E a memória dele choca com a história de Granadeiro. E ajuda-o a contrariar o anterior Presidente do Conselho de Administração, que ontem assumiu a responsabilidade por apenas 200 dos 900 milhões de euros torrados no GES. Pelo contrário, segundo Pacheco de Melo, só não é responsável por 200. É responsável por 700 milhões. Com Zeinal Bava, que também ao contrário do que disse – ou do não disse? – teve conhecimento de tudo.
O CFO – que se mantém ainda na PT – diz que apenas foi moço de recados de Granadeiro, tratando das coisas no BES com Morais Pires, moço de recados de Ricardo Salgado. Que tratava de tudo com Granadeiro e Bava!
Nem por isso ficam menos graves as confusões de Henrique Granadeiro com a História de Portugal, a que ontem recorrera para, na sua relação com os accionistas da PT, se equiparar a Egas Moniz. Que deu por primo de Afonso Henriques, a quem se teria penitenciado pelo que grantia ter sido a sua única falha ("Desta vez falhei, mas em todas as outras cumpri"). A História de Portugal registou Egas Moniz como aio de Afonso Henriques, nunca como primo. E dela não consta que se tenha penitenciado perante o primeiro rei de Portugal de coisa nenhuma. Foi descalço e de corda ao pescoço até Toledo, acompanhado da sua esposa e filhos, para colocar a sua vida e a dos seus ao dispor de Afonso VII, rei de Leão e Castela, pela falha de Afonso Henriques. Que quebrou a vassalagem jurada sete anos antes, para colocar fim ao cerco de Guimarães.
Mas como é que estes gestores podem conhecer a História de Portugal se não conhecem as suas próprias pequenas peripécias?
Em apenas sete meses - Dezembro de 2013 a Julho de 2014 - Ricardo Salgado desobedeceu 21 vezes ao Banco de Portugal. Que tinha praticado actos de gestão ruinosa já se sabia, mas confirmou-o também a Auditoria Forense levada a cabo pela Deloitte, e hoje dada a conhecer.
O antigo ministro da saúde de Cavco, Arlindo Carvalho, acusado do desvio de milhões de euros no BPN, começou ontem a ser julgado. Também ontem foram detidas cinco pessoas envolvidas na falsificação de declarações de dívida, entre as quais um director e um chefe de serviços da Segurança Social. Dezenas de empresários da Grande Lisboa terão comprado certidões de "ficha limpa" de dívidas, ficando habilitados a concorrer a concursos públicos.
Paulo Pereira Cristóvão, antigo agente da PJ e até há pouco vice-presidente do Sporting, vai ser ouvido hoje pela Justiça, acusado de comandar um gang de assaltos à mão armada, que incluía agentes da PSP no activo e um líder de uma claque sportinguista.
E Sócrates aproveita o grupo de media agora presidido por Proença de Carvalho, seu advogado, para voltar a fazer prova de vida. Desta vez para responder ao primeiro-ministro, que em desepero não tinha resistido a trazê-lo para uma conversa em que não era chamado. E para acusar Passos Coelho de estar "próximo da miséria moral", sem perceber que há muito deixou ele próprio para trás essa barreira!
Há dias assim. Em que o país não podia, ele sim, estar mais próximo da miséria moral...
Temos visto de tudo, na Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES. Declarações de todo o feitio – de amor e ódio, com a propósito e despropositadas, fidelidades e traições…
Ontem, João Moreira Rato, o antigo presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP) que acompanhou Vítor Bento na última administração do Banco, que foi surpreendida com a medida de resolução, foi uma novidade. Tido como um dos maiores especialistas do país nas coisas da banca, e com uma passagem tão curta e supostamente tão desprendida dos interesses que possam estar em confronto, acabou por mostrar que tecnocrata pode ainda ser pior que político ou banqueiro.
Com uma arrogância ainda não vista, adoptou uma postura que foi da simples recusa a responder, a respostas por sins e nãos ou pela sucessiva repetição das anteriores. Irritou toda a gente e acabou por forçar o presidente da comissão, Fernando Negrão, a um puxão de orelhas, visivelmente a contra-gosto. Coisa nunca vista, quando por lá já passou tudo o que de mais sensível havia para passar…
Temo bem que este seja o espelho de uma nova linhagem da tecnocracia: arrogante, acima de tudo e de todos e comprometida com o não comprometimento!
Ricardo Salgado voltou a falar, na circunstância a escrever mais uma carta. Cavaco voltou a mentir, ao dizer que nunca falou do BES, e a omitir, porque é um túmulo, morre com ele o que a ele for dito...
É apenas mais um episódio da promiscuidade que mina o regime e as suas élites. Quando foi pedir ajuda a Cavaco, a Passos, a Portas, a Carlos Moedas e a tutti quanti, Ricardo Salgado achava-se com legitimidade para isso. A legitimidade de quem cobra favores!
É mais uma gota de água num copo muito cheio. Tão cheio que levou António Barreto, um institucionalista que não é conhecido por ceder facilmente ao populismo ou de armar ao popularucho, a reclamar a prisão para uma certa "tropa fandanga" de “banqueiros, empresários, administradores de empresas, ex-ministros, ex-secretários de Estado, ex-diretores gerais”.
Só não se percebe é como o copo ainda não está a transbordar!
Em carta enviada - mais uma - à Comissão de Inquérito Parlamentar do BES, Ricardo Salagado veio agora informar que, para além dos pedidos de apoio escondidos mas já conhecidos, também bateu á porta do Presidente da República e do vice-primeiro ministro, Paulo Portas. Em Maio, poucos dias antes do aumento de capital!
Quer isto muito simplesmente dizer que, somando estes dois contactos aos outros já conhecidos e igualmente ocorridos em Maio, que antes do aumento de capital, tiveram conhecimento das dificuldades do BES e do GES, através do pedido de apoio que Ricardo Salgado - que pelos vistos todos lhe negaram -, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, o presidente da República, Cavaco Silva, o primeiro ministro, Passos Coelho, o vice-primeiro ministro, Paulo Portas, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque o secretário de estado Carlos Moedas, e o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.
Com o chico-espertismo que caracteriza Paulo Portas, o CDS emitiu um comunicado pretendendo matar a notícia com a simples nota que não tinha dado provimento às pretensões do líder do BES. Todos os restantes - à excepção de Cavaco, que esse acha que não deve explicações a ninguém -, depois de conhecidos esses encontros disseram, exactamente o mesmo. Ele veio pedir ajuda, mas nós negamo-la. Não nos envolvemos com interesses privados, disseram em coro!
Não é evidentemente isso que está em causa. Em causa está simpelsmente que, curiosamente ao contrário de todos os administradores do BES já ouvidos na Comissão de Inquérito, toda a gente, do governo ao presidente da República, passando por Durão Barroso, conhecia as dificuldades do grupo e do banco. E todos eles, com Cavaco em primeira linha e, manhoso, escudando-se em informações recebidas do governo e do governador do Banco de Portugal, proclamaram a saúde financeira do banco, e as almofadas financeiras para fazer face à exposição ao grupo. O que quer rigorosamente dizer que foram coniventes com a gigantesca burla que foi o aumento de capital do BES, em que cairam milhares de pequenos aforradores. E não só, embora os outros tenham tido tempo e informação para virar a agulha e minimizar perdas!
Note-se que, ao contrário do que Cavaco já quis fazer crer, é completamente irrelevante que as declarações tenham sido proferidas antes ou depois do aumento de capital. O que releva é que essas afirmações foram feitas por quem conhecia os problemas do banco e do grupo. Que os conhecia e que sabia que não tinham solução. De outra forma não se perceberia a recusa de qualquer tipo de ajuda ...
A Comissão de Inquérito quer agora chamar Paulo Portas e Cavaco, sendo que ao Presidente da República assiste o direito - de que, sendo quem é, evidentemente não abdicará - de não comparecer, e responder por escrito. Saberá certamente encontrar mais uma boa desculpa, mas já não encontrará certamente quem o desculpe. Está em todas!
É sabido que Ricardo Salgado bateu às portas todas: Passos Coelho, Durão Barroso, Carlos Moedas, Cavaco... Quando surgiu a notícia que José Luís Arnault entalou os patrões, ficou a saber-se que afinal só se conheciam as portas que se não abriram. As que se tinham aberto mantinham-se mais ou menos econdidas...
Só que, lendo melhor a notícia, Ricardo Salgado nem sequer teve que bater á porta de Arnault. Foi o próprio que se ofereceu para dar uma mãozinha, enquanto proclamava aos sete ventos que "o BES era um banco profundamente estável" e que Salgado, que tinha anunciado a demissão dias antes, "tinha deixado um banco robusto com capital e credibilidade".
Qualquer um, que em qualquer sítio do mundo tivesse lesado desta forma a empresa que lhe paga, ficaria em muitos maus lençóis. Mas Arnault não é qualquer um, é alguém que é pago por e para ter relações com poder... E quando assim é estas coisas de centenas de milhões de euros não passam de pequenos acidentes de percurso, coisas sem importância... Que já passaram!
Umas passaram tão depressa que ainda deram para vender as acções do BES a tempo, dando para perceber a ponta do iceberg chamado inside trading que logo aqui foi levantada.
Finalmente alguém que sabe alguma coisa... Álvaro Sobrinho sabe mesmo muito, mas diz pouco. E sabe, como poucos, o que deve dizer... Apenas o que quer, e pouco, sempre. Com grande jogo de cintura, sempre de menos para mais, rompeu com o tom deprimente das anteriores audições...
Por mim estou esclarecido: o homem é esperto. Muito esperto!
Eles não sabem ... Não sabem por que recebem dinheiro. Não sabem português... Não sabem que intervir é fazer alguma coisa, nem que seja apenas receber comissões. E que interver é verbo que não intervém na língua portuguesa... Não sabem mesmo nada. Nem de nada!