Um dos grandes temas de discussão do Estado tem a ver com as medidas que lhe marcam as dimensões. Sim, o tamanho importa!
Quando se trata de se lhe discutir o tamanho, os campos dividem-se entre os que defendem um Estado grande, capaz de marcar presença em tudo, ou quase tudo, e os que defendem um Estado pequenino, mínimo, que se limite a ver passar os comboios. Aos primeiros chamam-lhes, na melhor das hipóteses - porque há mesmo quem lhes chame nomes mais feios - keynesianos; aos segundos, liberais, inspirados no velhinho "laissez faire, laissez passer", com os devidos upgrades que lhes acrescentou o prefixo neo no rótulo.
Os neo-liberais pretendem que o Estado lhes deixe fazer tudo o que lhes apetece. Que os deixem fazer mas, acima de tudo, que os deixem passar. Por cima de tudo, à vontade... À vontadinha. Que nunca lhes atrapalhe a vidinha!
Um Estado pequenino, maneirinho?
Nada disso, por muito que garantam que é isso mesmo. Pequenino, só para os outros. Para eles querem-nos bem grande e, mais do que grande, bem musculado. Para que mantenha bem limpo o caminho por onde querem passar sem qualquer tipo de dificuldade. E se para isso for preciso bater, é bom que tenha bons músculos...
Em tudo o que passe disso, acham que o Estado só atrapalha. Que é um monstro insaciável, que mais nada faz que consumir os recursos da economia, capaz de destruir a riqueza que só eles produzem, sem precisar de mais ninguém. E que ninguém melhor que eles sabe distribuir... Por isso é que há offshores. E por isso é que mudam as sedes das suas empresas para Estados que atrapalhem menos.
Os keynesianos dizem...olhe que não...olhe que não. Há coisas em que se não devem meter... O Estado tem que regular a vossa vidinha, e tem que intervir na economia. Quanto mais não seja para investir quando vocês não estão para aí virados, para que não entre tudo em parafuso.
E para isso o Estado não pode ser uma coisa estrelicadinha. Nem tem que se preocupar com os estereotipados 80x60x80, até porque precisa de mamas grandes. Que vocês também não largam ... Uma delas chama-se Estado Social, e tem que estar sempre bem aviada, o que vos dá também muito jeito. Enquanto deitar, ninguém vos atrapalha a vidinha!
Tem graça... Se há alguma coisa que não é de graça é o Estado. Nem sequer barato, é bem caro, por sinal.
O estado de graça é um estádio do exercício do poder. No Estado e em todos os estados dentro do Estado. O estado de graça não é o estado da piada, porque não é com piadas que se chega ao poder, mesmo que lá cheguem muitos palhaços. Como o Tiririca, mas isso é no Brasil onde o Estado até tem muitos Estados, e por isso é federal. Que não tem nada a ver com o feder, que por lá fede nos últimos tempos... Também não é o estado em que se encontrava Maria, quando um anjo lhe anunciou o estado interessante em que o Espírito Santo a deixara, antes de ser nome de banco e de nos ter feito a todos o que teria então ficado por fazer. Esse estado de graça, sem pecado nem mácula, não dá para chegar ao poder. Alma limpa não dá para agarrar as tarefas do Estado, mas é preciso um estado de alma que não valorize o que a suja. Todas as manchas sujas têm de estar todas bem escondidinhas ... nem que seja umas atrás das outras.
O estado de graça também não é por isso um estado da alma, por muitos estados de alma que possa deixar em estado de sítio. O estado de sítio é que não tem graça nenhuma, nem mesmo quando é declarado em estado de graça, o que às vezes, em estado de emergência, até acontece.
Mas o que é, afinal, o estado de graça?
O estado de graça é, como comecei por dizer, um estado no exercício do poder. Por isso um bom estado, um estado interessante, sem que seja o tal estado. É temporário, como tudo, afinal - não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe... Nem no Estado. É um período de benevolência, aquele espaço de tempo em que tudo o que está mal, foi feito pelos outros, e em que, mesmo sem fazer nada, tudo tem graça.
No exercíco do poder, especialmente quando conquistado no tal regime que é o pior, à excepção de todos os outros, saber gerir o estado de graça é mais que uma arte. Há gente capaz de o fazer magistralmente, guardando essa competência como verdadeiro segredo de Estado, porque é em cima do estado de graça que se constrói o verdadeiro poder, aquele que domina sobre a estrutura e que agarra numa só mão o aparelho de Estado, nome por que invariavelmente é conhecida a sala das máquinas do Estado. Quanto mais se prolongar o estado de graça, maior é o tempo de aconchego no poder. Sim, porque isto de chegar ao poder tem muito que se lhe diga. Não é chegar, sentar e ficar confortavelmente instalado, com tudo no seu sítio, ajustado à medida. Nada disso...
Repare-se como até para o próprio Estado Novo que, como se sabe, era um de todos os outros regimes da excepção que Churchill deixou famosa, foi importante o estado de graça. Na altura chamou-se-lhe Primavera, nome que estaria então certamente na moda... Que vinha, como continua a vir, de Paris, mas também de Praga. E durou pouco, depressa se voltou a fazer inverno. Daí que que a sala das máquinas tenha começado a deixar entrar água até rebentar, e cair de podre naquela madrugada de Abril!
Não deixa de ser curioso que, quando o Presidente Marcelo fala da falta do Estado, e praticamente avisa que vai monitorizar o seu desempenho, ambos os candidatos à liderança do PSD - que podem distinguir-se na forma, mas que estão a revelar muito semelhantes na substância - falem de menos Estado.
Daria a ideia que se trata de pensamento diferente, se não mesmo oposto, quando têm todos o mesmo alinhamento político e ideológico, pertencem à mesma família política e até ao mesmo partido. Quando, especialmente Santana Lopes, se está ostensivamente a colar ao presidente para, evidentemente, colher dividendos da sua popularidade.
Se, com o mesmo posicionamento ideológico, e o mesmo alinhamento político, dizem o oposto sobre o Estado, só podem estar a falar de coisas diferentes. Só podem estar a falar de "Estados diferentes".
Na verdade assim é. Na verdade estão a falar de diferentes funções do Estado. O presidente Marcelo - mesmo que à saída do hospital tenha exaltado o Serviço Nacional de Saúde - fala das funções de soberania do Estado. E quer mais. Os candidatos à liderança do PSD referem-se às funções sociais e às funções reguladoras do Estado. E querem menos!
É esta a matriz ideológica da direita: pouco, ou se possível nenhum, Estado a regular (só atrapalha, não deixa fazer); pouco Estado social (vai trabalhar, malandro), mas muito Estado na segurança pública!
Não há nada para inventar. Muito menos a reinventar!
Por trás da forma como se manifestam os taxistas, com mais ou menos arruaça, com mais ou menos - geralmente com mais - desacatos, com mais ou menos perturbação da ordem pública, ou mesmo com a subversão das formas de luta - como ontem aconteceu ao transformar uma marcha lenta num bloqueio - não há apenas uma desproporção de regulação difícil de perceber. E de aceitar.
Mesmo que este confronto se limite a opor dois tipos de agentes que basicamente desempenham a mesma actividade económica, mas a quem o Estado regulador coloca exigências completamente diferentes, ao ponto de, a uns, exigir tudo e, aos outros, não exigir nada, percebe-se o que está por trás.
Percebe-se a marcha do neo-liberalismo global que leva á frente tudo o que seja regulação. Que esmaga à sua passagem tudo o que encontre e que, de alguma forma, crie obstáculos ao resplandecente laissez fair laisser passer da globalização.
A uberização das sociedades é isto que hoje se vê embrulhado nestas plataformas de mobilidade, que no fundo coloca aos cidadãos um trade off que cheira a chantagem: toma lá vantagens e facilidades inidividuais enquanto cliente, e dá cá, enquanto cidadão, todos os direitos colectivos que possam constituir os nossos deveres e obrigações. A uberização é a precarização das relações sociais, é um mundo sem direitos laborais nem obrigações contratuais. Sem regularização. E sem Estado que não seja em serviço próprio!
O que não quer dizer que o regulado mundo dos taxis esteja cheio de virtudes. Nada disso...
Se não bastasse a sucessão de disparates, sem sequer intervalo, deste governo aí teríamos as jornadas parlamentares da maioria a provar que isto não tem mesmo cura. E se não bastassem as jornadas parlamentares, aí estaria o regresso em grande da ministra Assunção Cristas.
Este é, decididamente, um governo de loucos. Um governo que diz querer tirar o Estado de tudo, mas depois põe o Estado a meter o nariz em tudo. Na véspera - será que é desta? - da apresentação do guião da reforma do Estado - que o chefe da ministra está para apresentar desde Fevereiro - nada melhor...
O BIC adquirira o BPN por 40 milhões de euros. À nossa conta tinham já ficado muitos milhares de milhões de euros – não se sabe, nem nunca se saberá, bem quantos: cinco, seis, sete, sabe-se lá...
O que se sabe é que, depois disso, o Estado – nós – já lhes devolveu 22 milhões. E que reclamam agora mais 100 milhões. Quer dizer, a conta já vai em 122 milhões, mais do triplo do que o banco luso-angolano pagara pela compra do filet mignon do BPN!
Tenho, por dever de ofício, a obrigação de esclarecer que é normal que, neste tipo de operações, o comprador acautele os chamados riscos contingenciais. Situações que, não tendo ocorrido à data da operação, podem previsivelmente vir a emergir no futuro. Mas, também pelo mesmo dever, tenho a obrigação de garantir que há soluções técnicas para as reflectir nas contas à data de referência do negócio. Que, depois, é isso mesmo – um negócio. Com riscos, como todos!
Todos, não. Em Portugal, quem negoceia com o Estado nunca corre riscos. Os governos de Portugal tomam sempre para o Estado todos os riscos. É sempre assim. É assim nas PPP, é assim nas privatizações... Que, vejam bem, são invariavelmente justificadas pelo simples facto de o Estado ser mau gestor. Mau negociador!
Porque eles – sim, aí o Estado já não somos nós, são eles - são maus gestores, vendem aos privados, bons gestores evidentemente. Tão bons que se aproveitam, logo ali, dos maus, dos incompetentes!
No escândalo BPN, este é apenas mais um. Depois de ter permitido a mega fraude, nacionalizou-lhe o passivo (BPN), deixando de fora os activos (SLN), nas mãos dos mesmos. Um passivo que rapidamente se multiplicou porque, lá está, o Estado é mau gestor. Por isso, depois vendeu, mas só o que interessava: uma rede de distribuição, a funcionar. Não se dando por satisfeito, o Estado – eles - deixa-lhes a possibilidade de dela fazerem o que quiserem, como e quando quiserem porque o Estado – nós – paga. Por enquanto, mais do triplo do que recebeu!
Ah! E alguém por aí sabe do Oliveira Costa, do Dias Loureiro e de mais uns tantos?
Daí ao corte dos 4 mil milhões foi um ver se te avias. Um passo de anão… O número entrava rapidamente na cabeça dos portugueses, com os comentadores do regime a fazerem as contas que não existiam para, mais que o explicar, justificá-lo. Metê-lo - e mantê-lo - bem nas nossas cabeças!
Como numa boa receita de culinária ficou a marinar. Até que ontem, de repente e vindo de uma fuga de informação encomendada, surgia um Relatório do FMI com um role de medidas assustadoras, que representam qualquer coisa como 10 mil milhões de euros de corte nas funções sociais do Estado.
Seguem-se explicações e até desmentidos. Que não, que não é nada daquilo. Que se trata apenas de sugestões, o documento servirá tão só para ajudar à discussão pública… Mas que está muito bem feito, lá isso está – apressou-se a adiantar o inefável Carlos Moedas!
Mas ele aí está, a fazer livremente o seu caminho. A entrar na cabeça das pessoas, com a ajuda dos fazedores de opinião que vão construindo o edifício da inevitabilidade. E da oposição, que nada faz. Que se limita a chavões de ocasião na mesma lástima de sempre!
Um caminho aberto para o objectivo do governo, onde se chegará mas, então, por obra do esforço e boa vontade de Passos e Portas. A quem haveremos de ficar eternamente gratos por conseguirem que ficássemos por metade daquilo que o FMI recomendava!
É este o guião!
Mesmo o que às vezes parece desorganização e incompetência, faz parte do guião. Bem preparado por gente que não brinca em serviço!
O Orçamento Geral do Estado para 2013 foi hoje aprovado, como se sabia. Não se sabia é que haveria de ser aprovado à pressa…Nem que a Presidente da Assembleia da República iria negar essa bem notada pressa - "foi seguido o mesmo método do ano passado", diria contornando a verdade - dando mais uma ajudinha para o descrédito da chamada casa da democracia. Mesmo que de uma democracia que convive bem com a ditadura dos partidos e dos respectivos aparelhos…
Não fosse assim e este orçamento não teria sido aprovado!
Sobre o orçamento nada mais há a acrescentar, já aqui se disse tudo o que havia para dizer. O governo e a maioria que obrigatoriamente o sustenta não quiseram nem querem discuti-lo. Sabem que é uma fraude e, por isso, quanto menos se fale dele, melhor!
Introduziram por isso o tema da revisão das funções do Estado, com o sentido de oportunidade de que ainda ontem aqui se deu conta.
A verdade é que a estratégia foi relativamente bem sucedida. Fala-se e tem-se falado nos últimos dias muitíssimo mais das funções do Estado do que do Orçamento, das opções que lhe são subjacentes e das fragilidades e incompetência que documenta.
Poucos teremos dúvidas que há real necessidade de reavaliar as funções do Estado, porque muita coisa mudou. Mas creio que serão muitos os que têm dúvidas que seja este governo o mais indicado – pela gritante falta de competência, pela falta de consistência no rumo, pelo fundamentalismo ideológico, etc. - para o fazer. Como muitos serão os que não compreenderão muito bem que se questionem as funções sociais do Estado, num período como o que o país atravessa, sem que se questione o garrote financeiro da troika, em particular os juros, a taxas inaceitáveis, que representam a fatia maior de toda a despesa do Estado.