A Bela e o Monstro*
Foi conhecida esta semana mais uma decisão bizarra do não menos bizarro juiz Neto de Moura. Lembramo-nos de, há pouco mais de um ano, ter dado por normal bater numa mulher com uma moca cheia de pregos. Numa decisão de Outubro passado, agora vinda a público, em sede de recurso a uma pena suspensa de prisão, vem agora libertar o arguido da pulseira electrónica que prevenia os riscos de aproximação à vítima, a mulher.
Os factos provados estão descritos por “murros em várias zonas da cabeça da mulher, incluindo os ouvidos, provocando-lhe perfuração do tímpano esquerdo, além de edemas, hematomas e escoriações” mas, para o juiz, “não revelam uma carga de ilicitude particularmente acentuada”.
E explica mesmo que os murros foram excepcionais. Que tudo o resto não passou de ofensas verbais e ameaças.
Mas não foram estas as únicas atenuantes que este bizarro julgador encontrou para dar razão ao arguido, e o libertar da incómoda pulseira electrónica. Argumenta ainda que “nunca o arguido utilizou … qualquer instrumento (de natureza contundente ou outra) ou arma de qualquer espécie, embora a tenha ameaçado de morte quando tinha na sua posse um objecto não identificado, com a aparência de arma de fogo”.
Não, isto não é uma aberração jurídica, como muitas a que nos vamos infelizmente habituando. Isto é um monstro a sancionar as monstruosidades que vão crescendo no silêncio das quatro paredes que aterrorizam e matam tantas mulheres em Portugal!
Nada que, ao que parece, incomode muito uma jovem médica ortopedista de Coimbra, que escolheu esta mesma semana para incendiar a opinião pública/publicada com um texto de raro obsoletismo ideológico, e cheio de preconceitos retrógrados, publicado num conhecido jornal “on line”.
Tem o direito de se manifestar contra a corrente, como toda a legitimidade para, se a tanto a ajudassem o engenho e a arte, ridicularizar muitos dos estereótipos do mais folclórico activismo feminista. Mas não foi isso que fez. Limitou-se a confirmar que é mais fácil romper tímpanos, a murro, que preconceitos, por maior que seja o nível instrução, e mais acentuada que seja a clivagem geracional. E limitou-se mesmo a seguir, jovem e esbelta, de braço dado com um velho e caquéctico juiz, pelo rumo mais obscuro da civilização.
*A minha crónica de hoje na Cister FM