A felicidade e a negação
Só recentemente começamos a ouvir falar do índice de felicidade dos países. Poucos são os agentes políticos a introduzir o conceito no seu discurso, e quando esses poucos o fazem soa a excentricidade. A minudências de franjas que não têm mais nada com que se preocupar.
Mais cedo ou mais tarde acabará por entrar na agenda discursiva, nem que seja por razões de marketing político. As questões ambientais e do bem estar animal, por exemplo, também ainda há poucos anos estavam arredadas do discurso político. E hoje são incontornáveis questões civilizacionais, e por isso de objectiva relevância política
À primeira vista poderá parecer que o índice de felicidade não tem essa transversalidade civilizacional. Acresce que passa por objectivar a felicidade, o mais subjectivo dos conceitos, ao ponto de quantificar para estabelecer comparações. Mas a verdade é que, mesmo subjectiva, a felicidade é tudo o que, em última instância, as pessoas mais procuram. E, por isso, mais valorizam.
Ora aí está. Não é preciso mais para perceber o potencial deste índice no discurso político.
Há já 10 anos que é publicado o World Happiness Index (WHI). Foram recentemente publicados os resultados da décima edição do Índice de Felicidade Mundial, e nesse relatório Portugal encontra-se na 56ª posição entre 146 países. E na 25ª entre os 27 países da União Europeia, apenas à frente da Grécia e da Bulgária. Acabamos, neste último ano, de ser ultrapassados pela Croácia.
Sempre nos tivemos na conta de pobres, mas felizes. Bastava-nos o sol, a luz e a beleza natural para, num país pobre mas bonito, sermos felizes. Venderam-nos tanto essa ideia que até criamos a expressão "pobretes mas alegretes". Pelos vistos não é bem assim. Já andávamos um bocado desconfiados disso. Que este é um belo país, com tudo para para fazer pessoas felizes, mas outras. Que não nós!
Ensinaram-nos que o dinheiro não dá felicidade. Acreditamos. Pelos visto não é bem assim - no índice de felicidade ainda estamos pior classificados que no do PIB per capita. Não só o dinheiro conta, como somos ainda mais infelizes que pobres!
É que, para este índice de felicidade, contam, para além do PIB, factores como expectativa de vida, generosidade, suporte social, liberdade e percepção de corrupção. O PIB não ajuda, já sabíamos. Na expectativa de vida, suporte social e liberdade pessoal estamos dentro da média. Na generosidade, onde nos temos por grande exemplo, também parece que estamos enganados - somos o 4º pior. O problema vem na percepção de corrupção por parte da população - com um penúltimo lugar bem vincado.
Este factor mede a percepção que os cidadãos têm da corrupção no país. Como desconfiam das instituições e dos negócios, e como isso impacta na sua qualidade de vida.
E cá está um dos nós górdios - um país em estado de negação. Um país que se mente a si próprio. Para Portugal não há corrupção em Portugal. Exactamente como, para Portugal, também não há racismo em Portugal!