A ignorância como aliado*
Convidada: Clarisse Louro
Em toda a Europa, e diria que em quase todo o mundo, é enorme a preocupação com a situação grega, consciente que está toda a gente dos enormíssimos riscos que se estão a correr, quer no puro domínio da economia e das finanças, onde se está diante do desconhecido – são mares nunca antes navegados, como por aí se tem ouvido dizer – quer, muito em particular, no que à paz respeita. Na Europa, e no mundo. Onde, infelizmente, não temos pela frente mares nunca antes navegados. Antes pelo contrário, são mares que já foram navegados. Mares revoltos e tenebrosos, que a cegueira e a irresponsabilidade de alguns já ousou enfrentar. Com os piores resultados, conforme nos mostra a História, que uma leva de ignorantes de como não há memória, de uma ignorância assustadora, desconhece.
Comecei por dizer “em toda a Europa e em quase todo o mundo”. Mas tenho de corrigir para em quase toda a Europa e quase todo o mundo. Porque neste cantinho do extremo ocidental há um país que tem mais com que se preocupar. Ou melhor – e lá volto eu a ter que me corrigir – um país governado por gente que tem outro tipo de preocupações. Gente ainda mais ignorante que os ignorantes de que comecei por falar, para quem umas eleições que aí vêm são a única coisa que conta. É certo que essas mesmas eleições, e mais umas outras aqui ao lado, foram também as coisas mais importantes para os outros ignorantes de que comecei por falar. É certo que foram esses ignorantes que convenceram os nossos que isso era mesmo a única coisa que importava. Só que esses, mesmo ignorantes, têm os cinco sentidos a funcionar, e começaram a preocupar-se e logo que lhes começou a cheirar a queimado. E a verdade é que não pararam…
Não sei se vão a tempo de evitar a catástrofe, mas têm tentado e estão a tentar.
Aos nossos ignorantes é que nada chega. Nada cheiram, nada enxergam… E continuam a esfregar as mãos de contentes, convencidos de que assim se mantêm inamovíveis, agarrados ao poder de que dependem como de oxigénio.
Gritam: vejam bem os gregos nas filas das caixas Multibanco, impedidos de tocar nas suas poupanças. Só têm direito a sessenta euros… Num programa de televisão houve até um jotinha que se deve ter achado o máximo, ao dizer que enquanto os portugueses andam a tirar selfies na praia, ao sol, os gregos fazem-no nas filas do Multibanco. E a própria figura mais alto do Estado não encontrou melhor maneira de manifestar a sua despreocupação do que recorrer à aritmética para dizer que ainda sobram dezoito.
Nunca a Europa esteve nas mãos de gente tão fraquinha. Mas nunca em Portugal tão fracos reis fizeram tão fraca a forte gente!
* Publicado hoje no Jornal de Leiria