A implacável lei do mais forte
A lei do mais forte voltou a ser implacável.
A França não era apenas favorita na disputa do acesso aos quartos de final com a Polónia. É claramente favorita à conquista do mundial, e a igualar o Brasil na revalidação do título de campeão, até agora feito único, em 60 anos (1958 e 1962).
É a selecção mais exuberante - malgré a derrota das suas segundas linhas frente à Tunísia - com os alas mais rápidos e mais dotados tecnicamente deste campeonato do mundo, com um dos melhores "10" - Griezmann - e com um dos pontas de lança que melhor conhece cada m2 da área, e que melhores instrumentos de finalização apresenta. Tudo isto, mesmo sem o "melhor do mundo", a novae linguae para o bota de ouro, mesmo que saibamos quem é o eterno dono do epíteto. E sem mais uns quantos do melhor que há nas suas funções.
A Polónia era apenas a pior das selecções qualificadas para os oitavos, apurada com uma derrota clara com a Argentina, sem um único remate. À custa de Szczeny, o guarda-redes da Juventus, um dos melhores naquela posição que, na selecção polaca, ofusca o anterior "melhor do mundo" - o pobre e desamparado Lewandowosky - mesmo que saibamos que o "melhor do mundo" nunca muda, e é sempre o mesmo.
Na fase inicial há surpresas, quando chega a hora do "mata-mata", como lhe Scolari lhe chamava, a "lei do mais forte" tem mesmo força de lei. Voltou a sê-lo.
A Polónia limpou até a imagem trazida da fase de grupos. E Czeslaw Michniewicz, o seu seleccionador, até pareceu menos Fernando Santos.
Mas nada pôde fazer perante Giroud e Mbappé. O primeiro, com o primeiro golo, a superar Henry como melhor marcador de sempre da selecção francesa. O segundo, com dois golos, a superar o registo do "melhor do mundo" cá do sítio em fases finais do campeonato do mundo, e a igualar o registo de Eusébio - este estabelecido na única fase final mundial em que pôde participar e a nova obsessão do "melhor do mundo" - e, aos 23 anos, a ficar já com os maiores goleadores dos mundiais debaixo de mira. Que, para se perceber a "patetice" do "melhor do mundo", são "apenas" outros 10: Klose, Ronaldo, mas o outro, Gerd Muller, Fontaine - com o recorde de mais golos marcados num único torneio Mundial, com 13 golos em 6 jogos, em 1958, na Suécia, e que deixou o futebol aos 28 anos - Pelé (infelizmente à beira de se despedir de nós, para se juntar a tantos destes nome que fizeram do futebol esta coisa maravilhosa que amamos) -, Kosics (com 11 golos em 1954, na Suíça, um registo só atrás de Fontaine, com uma média de 2,2 golos por jogo), Klinsmann, Helmut Rahn, Thomas Müller e Gabriel Batistuta.
A selecção francesa entrou dominadora mas, a partir do meio da primeira parte, os polacos passaram a equilibrar o jogo e, supreendentemente, a discuti-lo no campo todo e a rematar à baliza francesa. Só nos últimos minutos a França voltou a superiorizar-se, muito à custa da subida dos polacos no terreno, acabando por marcar, mesmo em cima do intervalo, no tal golo de Giroud.
Com vantagem no marcador a França geriu o jogo a su bel-prazer durante toda a segunda parte, aproveitando o contra-ataque para marcar mais dois golos, os dois de Mbappé, o último já depois dos 90 minutos. Na segunda parte a Polónia praticamente não rematou, mas acabaria por marcar, já depois de esgotado o tempo de compensação, num penálti - daqueles que caem do céu - que Lewandowsky marcou, à segunda. Com categoria, depois de, antes, Lloris ter defendido, adiantando-se antes da bola partie, o que seria o segundo penálti desperdiçado pelo goleador polaco.
O segundo jogo do dia, mesmo que muito diferente, não teve uma história assim tão diversa.
Do Senegal esperava-se muito. Espera-se sempre muito das melhores selecções africanas, como é o caso desta. Por isso fica sempre alguma frustração quando ficam aquém do que prometem.
A selecção senegalesa não prometera apenas na fase inicial. Começou por prometer no início do jogo, cabendo-lhe até a primeira grande oportunidade do jogo, e discutiu bem o jogo durante quase toda a primeira parte. Mas acabou por afundar-se nos minutos finais, sucumbindo ao contra-ataque inglês.
Com dois golos em menos de 10 minutos, o segundo já depois de esgotado o tempo de compensação, finalmente o primeiro na competição do superlativo Kane (sempre interveniente nos golos, mas a tardar a marcar), que já iniciara o contra-ataque para o primeiro, de Henderson, a Inglaterra acabou com a organização do Senegal.
Com o terceiro golo, também o terceiro de Saka neste mundial, e de novo em contra-ataque, ainda bem dentro do primeiro quarto de hora da segunda parte, a Inglaterra passou a gerir o jogo, já a pensar na França, nos quartos de final.
Que tem tudo para ser um grande jogo, e vai deixar de fora um dos mais fortes candidatos.
Com a despedida do Senegal deste mundial não é só grande parte do perfume do futebol africano que se despede. É também a cor e a alegria que os senegaleses, como mais ninguém, trouxeram às bancadas!