A mítica democracia americana
Tudo aquilo a que estamos a assistir nestes dias que se estão a seguir ao das eleições nos Estados Unidos leva-nos como nunca a questionar a democracia americana.
Desde logo, um país imenso, dividido em cinquenta estados, mais Washington DC, mas apenas dois partidos. Depois, num regime ultra-presidencialista, o presidente não é eleito por sufrágio directo, tornando frequente - tão frequente que aconteceu por duas vezes nas duas últimas décadas - que o presidente eleito não seja o que teve mais votos. Depois ainda, as diferentes diferenças nas votações que permitam a um candidato requerer judicialmente a recontagem dos votos: 1% nuns estados, menos ainda, noutros. E por último a cereja no topo do bolo: os delegados resultantes dos resultados eleitorais em cada estado, que no colégio eleitoral vão finalmente eleger o presidente, poderão até nem votar no candidato para que estão mandados pelo voto popular que representam. O candidato mais votado de um estado assegura a totalidade dos delegados desse estado ao colégio eleitoral; mas cada um desses delegados poderá depois até votar no candidato adversário. Nalguns estados, o delegado que o fizer é obrigatoriamente substituído na votação. Mas noutros sujeita-se apenas a uma multa, e mantém o voto contrário ao mandato que recebeu.
No meio de tudo isto não surpreende o que Trump está fazer para se agarrar no poder. Está a fazer tudo o que um anquilosado processo velho de século e meio lhe permite. O que surpreende é a massiva participação dos americanos nestas eleições. A maior dos últimos 100 anos, que já fez de Biden o candidato mais votado da História da América.
Talvez seja isso que ainda alimenta a mítica democracia americana. Em tudo o resto é uma democracia cada vez menos democrática, como é timidamente cada vez mais reconhecido. Mas, à americana, os americanos acham-na perfeita!