A ponta por onde se pega
Pegar nas coisas pela ponta que lhe dá mais jeito, nem sempre quer dizer que se lhe pegue pela que está mais à mão. Às vezes obriga mesmo a dar-lhe uma grande volta.
A notícia do anúncio do abandono de 25 militantes do Bloco de Esquerda, entre os quais, ao que se diz, dois irmãos de Francisco Louçã, presta-se a um exemplo disso mesmo, como se viu numa certa imprensa e nuns certos blogues que, para abrir os braços ao que lhe dá mais jeito, não se importam nada de voltar as costas ao que está mais à mão.
Pelo que é dado a conhecer na noticiada carta enviada à Mesa Nacional do Bloco de Esquerda, os signatários manifestam acima, e antes de tudo, a sua oposição ao processo de institucionalização do partido. Os militantes demissionários acusam o partido de aburguesamento, de abandono do radicalismo e de cedência às regras do jogo da formalidade democrática. De conformismo e de conformidade. De já não falar da renegociação da dívida, e até de estar do "lado errado do combate anti-racista". Saem porque "pouco resta do projecto original do BE de ser uma força alternativa à sociedade existente" e porque pretendem contribuir para uma "clarificação política entre uma esquerda com um projeto radical para a sociedade e outra paliativa em que o resultado da sua ação é a integração no sistema que deveria combater".
Ou seja, estes 25 militantes anunciam o abandono por entenderem que o partido já não é o partido radical, de extrema esquerda, do lado fora do quadro institucional da democracia representativa. Saem a atestar justamente o contrário do que o mainstreaming apregoava.
Não lhes ficaria tão mal - a esses jornais e a esses blogues - se, por exemplo, dissessem que são muito maus, maus de mais, mas nem assim conseguem ser tão maus como todos eles gostariam. Percebia-se, e ninguém os acusaria de hipocrisia. Mas não, o que fizeram foi ignorar que a "debandada", como até chegaram a chamar à saída de 25 militantes, tinha a ver com o abandono do radicalismo e do extremismo, que antes condenavam, para salientar o "taticismo" e "o apoio a um governo que perpetua a austeridade", que agora lhes dá jeito!