A resposta clara à chantagem. Sem medo!
Aí está mais um momento decisivo no processo de normalização do Chega, com André Ventura a reclamar a vice-presidência da Assembleia da República. Inevitavelmente, porque não conhece outro método, usa a chantagem deforma despudorada - se a Assembleia da República não votar a eleição do seu deputado, o Chega crescerá ainda mais!
A chantagem de André Ventura é todo um manual de paradoxo anti-democrático. Por ser chantagem, mas pelo que está por trás dela. É uma ameaça que reconhece e explicita a própria ameaça que o partido representa para a democracia. O que Ventura diz é simplesmente isto: nós somos uma ameaça à democracia, e se nos dificultarem a ameaça tornar-nos-emos ainda uma ameaça maior!
A expressão eleitoral que o Chega atingiu ao tornar-se na terceira força política representada na Assembleia da República torna-o numa espécie de cavalo de Troia no Parlamento. À democracia compete denunciá-lo, dizer claramente o que está dentro da barriga daquele cavalo de madeira, e enfrentá-lo.
A legitimidade democrática dos deputados eleitos pelo Chega não pode ser posta em causa. A sua participação é tão legítima quanto a de qualquer outro deputado. Essa é a grande superioridade da democracia, permitir expressão e participação aos que a combatem. Reconhecer direitos àqueles que não os reconhecem aos outros.
Isso, a sua legitimidade como deputados, igual à de quaisquer outros, é uma coisa. Outra, completamente diferente, é normalizar o Chega. É dizer que é um partido como qualquer outro, quando não é. É contra tudo o que são os pilares do regime e os fundamentos da democracia. Permitir-lhe assumir a presidência do plenário da Assembleia da República, bem como de qualquer comissão parlamentar, é eliminar todas as barreiras sanitárias da democracia.
A Assembleia da República é que elege os seus órgãos: o presidente, os quatro vice-presidentes, e os presidentes das diferentes comissões parlamentares. Os eleitores apenas elegeram os deputados. São eles, depois, que irão eleger estes órgãos. O Presidente da AR é proposto pelo partido mais votado. Mas tem de ser eleito, e nem sempre o foi, como aconteceu com Fernando Nobre, em 2011. Os quatro vice-presidentes são propostos pelos quatro partidos mais votados. Mas terão que ser eleitos pelos deputados, numa legitimidade tão democrática como a que a ditou a sua própria eleição.
Por toda a Europa, e inclusivamente no Parlamento Europeu, os parlamentos têm democratica e sistematicamente impedido a eleição dos candidatos propostos pelos partidos da extrema direita. Em Portugal, agora, apenas tem de se fazer exactamente o mesmo. Sem medo. O medo é atributo dos regimes autoritários, em democracia não há lugar para o medo!
É este o primeiro grande desafio da nova Assembleia da República. Se, na sua nova constituição, não for capaz de dar uma resposta clara ao medo e à chantagem, a democracia - essa sim - treme. Uma resposta clara é uma resposta clara, não é de meias tintas. E só é clara se todos os restantes partidos, sem excepção, votarem contra a eleição do deputado Diogo Pacheco de Amorim - o escolhido de André Ventura - para vice-presidente da Assembleia da República.